Johannes Kepler nasceu em 27 de Dezembro de 1571 na cidade de Weil der Stadt, em Württemburg (hoje parte da Alemanha). Seu pai, Heinrich Kepler, era, de acordo com Johannes, «um soldado imoral, rude e brigão» que abandonou a família em várias ocasiões para se juntar a mercenários que lutavam numa revolta protestante na Holanda. Acredita-se que Heinrich morreu algures nos Países Baixos.
O jovem Johannes morava com a sua mãe, Katherine, na estalagem do seu avô, onde foi colocado ainda muito novo para trabalhar no serviço de mesas, apesar da sua saúde precária. Kepler tinha miopia e estrabismo, provavelmente causados por um ataque quase fatal de varíola; e também sofria de problemas intestinais e dedos «aleijados», que limitaram a sua potencial escolha de carreira, na perspectiva da sua família, a uma vida no ministério religioso.
“Mal-humorada” e «tagarela» eram as palavras que Kepler usava para descrever a sua mãe, Katherine, mas ele estava ciente, já bem novo, de que o seu pai era a causa desse comportamento. A própria Katherine fora criada por uma tia que praticava bruxaria e fora queimada na fogueira. Assim, não foi nenhuma surpresa para Kepler quando a sua mãe, mais tarde, enfrentou acusações similares. Em 1577, Katherine mostrou ao seu filho o «grande cometa» que apareceu no céu aquele ano, e Kepler veio a admitir que este momento partilhado com a sua mãe teve um impacto duradouro na sua vida.
Apesar de uma infância cheia de sofrimento e ansiedade, Kepler era obviamente talentoso, e conseguiu ganhar uma bolsa de estudos reservada a meninos promissores com poucos recursos que morassem na província alemã da Suábia. Foi para a Schreibschule alemã em Leonberg antes de se transferir para uma escola de Latim, que foi fundamental para lhe fornecer o estilo de escrita latina que empregou mais tarde no seu trabalho. Fraco e precoce, Kepler apanhava regularmente dos seus colegas, que o consideravam um sabichão, e logo passou a estudar Religião como meio de escapar às suas dificuldades.
Em 1587, Kepler entrou na Universidade de Tubinga, onde estudou Teologia e Filosofia. Também se matriculou lá como estudante de Matemática e Astronomia, tornando-se um defensor da controversa teoria heliocêntrica de Copérnico. Kepler era tão explícito na sua defesa desse modelo copernicano do Universo que não era incomum entrar em debates públicos acerca do assunto.
Apesar do seu interesse principal pela teologia, estava a ficar cada vez mais intrigado pelo apelo místico de um universo heliocêntrico. Embora tivesse a intenção de se formar em Tubinga em 1591 e de se tornar docente da Faculdade de Teologia da Universidade, uma recomendação para um lugar de docente de Matemática e Astronomia na Escola Protestante de Graz, Áustria, foi irresistível. Assim, com a idade de 22 anos, Kepler abandonou uma carreira no ministério religioso para estudar ciência. Mas ele nunca abandonaria a sua crença no papel de Deus na criação do Universo.
No século XVI, a distinção entre astronomia e astrologia era muito ambígua. Um dos deveres de Kepler como matemático em Graz era o de fazer um calendário astrológico completo com previsões. Tratava-se de uma prática comum naquela época, e Kepler estava motivado claramente pelo rendimento suplementar que o seu emprego lhe permitia obter, mas não poderia ter previsto a reacção do público quando foi publicado o seu primeiro calendário.
Previu um Inverno extraordinariamente frio, bem como uma invasão turca e, quando ambas as previsões se realizaram, Kepler foi saudado triunfantemente como um profeta. Apesar do clamor, ele próprio não dava importância de maior ao trabalho nos almanaques anuais. Chamava à astrologia «filhinha maluca da astronomia» e não tinha nada que ver nem com o interesse do público nem com as intenções dos astrólogos. «Se os astrólogos acertarem alguma vez», escreveu, «tal deverá ser considerado sorte.» Mesmo assim, Kepler nunca deixou de se servir da astrologia, um tema recorrente na sua vida, sempre que o dinheiro escasseava, e esperando sempre descobrir algo de verdadeiramente científico na astrologia.
Um dia, quando ensinava Geometria em Graz, Kepler teve uma revelação súbita que lhe traçou o destino, mudando o curso da sua vida. Era, sentia-o ele, a chave secreta para entender o Universo. No quadro negro, na frente dos estudantes, desenhou um triângulo equilátero dentro de um círculo, e um outro círculo dentro do triângulo. Ocorreu-lhe que a razão entre círculos indicava a razão entre órbitas de Saturno e de Júpiter.
Inspirado por esta revelação, supôs que todos os seis planetas conhecidos naquela época estavam dispostos em volta do Sol, de modo a que figuras geométricas encaixassem perfeitamente entre eles. Tentou verificar esta hipótese inicialmente sem êxito, usando figuras num plano bidimensional, como o pentágono, o quadrado e o triângulo. Então retornou aos sólidos pitagóricos, usados pelos Gregos antigos, que haviam descoberto que apenas cinco sólidos perfeitos podiam ser construídos a partir de figuras geométricas regulares.
Para Kepler, esse facto explicava a razão pela qual só poderiam existir seis planetas (Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno) com cinco espaços entre eles – porque esses espaços não eram uniformes. A teoria geométrica das órbitas e distâncias planetárias inspirou Kepler a escrever Mistério do Cosmo (Mysterium Cosmographicum), publicado em 1596. Levou mais ou menos um ano a escrevê-lo, e, apesar de o esquema ser razoavelmente preciso, estava certo de que suas teorias acabariam por sobressair:
E a intensidade do meu prazer por esta descoberta nunca poderá ser expressa por palavras. Eu não mais me lamentava do tempo perdido. Dia e noite era consumido pelos cálculos, para ver se esta ideia estaria de acordo com as órbitas de Copérnico, ou se minha alegria seria levada pelo vento. Durante uns dias, tudo funcionou, e eu observei como um abjecto após outro se encaixavam precisamente no seu lugar, entre os planetas.
Kepler passou o resto da vida a tentar obter as provas matemáticas e as observações científicas capazes de justificar as suas teorias. Mistério do Cosmo foi o primeiro trabalho decididamente na linha de Copérnico a ser publicado desde o aparecimento de Das Revoluções, do próprio Copérnico, e, como teólogo e astrónomo, Kepler estava determinado a entender como e por quê Deus havia projectado o Universo.Defender um sistema heliocêntrico tinha sérias implicações religiosas, mas Kepler insistia que a centralidade do Sol era vital para os desígnios de Deus, pois mantinha os planetas alinhados e em movimento. Neste sentido, Kepler desviava-se do sistema heliostático de Copérnico, com um Sol «perto» do centro, e colocava-o directamente no centro do sistema.
Hoje, os poliedros de Kepler parecem impraticáveis. Mas, apesar de a premissa de Mistério do Cosmo ser errónea, as conclusões de Kepler ainda são incrivelmente precisas e definitivas, tendo sido essenciais na formação da ciência moderna. Quando o livro foi publicado, Kepler enviou uma cópia a Galileu, encorajando-o a «acreditar e a manifestar-se», mas o astrónomo italiano rejeitou o trabalho por causa das suas aparentes especulações. Tycho Brahe, por outro lado, ficou imediatamente intrigado. Ele via o trabalho de Kepler como algo de novo e excitante, e escreveu uma crítica pormenorizada a favor do livro. A reacção ao livro, como Kepler escreveu mais tarde, mudou o rumo da sua vida.
Em 1597, outro acontecimento iria alterar a vida de Kepler: o facto de ele se ter apaixonado por Barbara Müller, a filha primogénita de um abastado moleiro. Casaram em 27 de Abril do mesmo ano, sob uma constelação desfavorável, conforme Kepler anotaria mais tarde no seu diário. Mais uma vez, a sua natureza profética emergiu, à medida que o casamento se ia degradando. Os primeiros dois filhos morreram muito cedo, ficando Kepler perturbado. Mergulhou no trabalho para esquecer a dor, mas a sua mulher não entendia a sua busca. «Gorda, confusa e simplória» foi como ele a descreveu no seu diário, apesar de o casamento ter durado 14 anos, até à morte dela em 1611, de tifo.
Em Setembro de 1598, Kepler e outros luteranos de Graz foram obrigados a abandonar a cidade por ordem do arquiduque, que estava empenhado em remover a religião luterana da Áustria. Após uma visita ao Castelo Benatky de Tycho Brahe, em Praga, Kepler foi convidado pelo abastado astrónomo dinamarquês a ficar ali a trabalhar nas suas pesquisas. Kepler estava um pouco receoso em relação a Brahe, mesmo antes de o conhecer. «A minha opinião acerca de Tycho é a seguinte: ele é extraordinariamente rico, mas não sabe muito bem o que fazer com a sua riqueza, como costuma acontecer com a maioria das pessoas ricas», escreveu. «Portanto, devemos tentar aproveitar-nos da sua riqueza.»
Se à sua relação com a mulher faltava complexidade, Kepler mais do que compensou essa circunstância quando firmou um acordo de trabalho com o aristocrático Brahe. A princípio, Brahe tratou o jovem Kepler como um assistente, delegando-lhe cuidadosamente algumas tarefas, mas sem lhe dar muito acesso a dados de observação pormenorizados. Kepler desejava ardentemente ser tratado como um igual e ter alguma independência, mas o reservado Brahe queria servir-se dele para estabelecer o seu próprio modelo do sistema solar – um modelo não-copernicano que Kepler não aprovava.
Kepler vivia imensamente frustrado. Brahe dispunha de uma vasta quantidade de dados da observação, mas faltavam-lhe as ferramentas matemáticas para os compreender na sua totalidade. Finalmente, talvez para acalmar os ânimos do seu inquieto assistente, Brahe ordenou que Kepler estudasse a órbita de Marte, que havia confundido o astrónomo dinamarquês durante algum tempo, pois aparentava ser a menos circular de todas as órbitas. Kepler achou inicialmente que poderia resolver o problema em oito dias, mas o projecto acabou por levar oito anos. Mesmo sendo um projecto difícil, não deixava de ter suas compensações, pois este trabalho levou Kepler a descobrir que a órbita de Marte era uma elipse precisa, e a formular as suas primeiras duas «leis planetárias», que ele publicou, em 1609, em Nova Astronomia.
Após um ano e meio de trabalho com Brahe, o astrónomo dinamarquês ficou muito doente num jantar e morreu, alguns dias depois, de uma infecção urinária. Kepler foi nomeado para o posto de matemático imperial e estava agora livre para explorar a sua teoria planetária sem estar a ser controlado pelo olhar vigilante de Tycho Brahe. Vendo uma oportunidade, Kepler procurou imediatamente os dados de Brahe, que tanto cobiçava, antes que os herdeiros pudessem apossar-se deles. «Confesso que, quando Tycho morreu», escreveu Kepler mais tarde, «rapidamente usufruí da ausência ou falta de interesse dos herdeiros, tomando as observações sob meus cuidados, ou talvez mesmo usurpando-as.»
O resultado foi As Tábuas Rudolfinas, de Kepler, uma compilação de dados de 30 anos de observação de Brahe. Para ser justo, no seu leito de morte Brahe exigiu de Kepler que completasse as suas tabelas; mas Kepler não moldou o seu trabalho de acordo com nenhuma hipótese tychoniana, conforme Brahe esperava. Em vez disso, Kepler usou os dados, que incluíam cálculos com logaritmos que ele próprio desenvolvera, para prever posições planetárias. Foi capaz de prever os trânsitos do Sol por Mercúrio e Vénus, apesar de não ter vivido o tempo suficiente para os testemunhar. Contudo, Kepler só em 1627 publicou As Tábuas Rudolfinas, devido ao facto de os dados descobertos o terem constantemente levado a novas direcções.
Após a morte de Brahe, Kepler testemunhou uma nova, que mais tarde ficou conhecida como «a nova de Kepler», e também fez experiências de óptica. Apesar de cientistas e estudiosos verem o trabalho de óptica de Kepler como menor em comparação com os seus outros resultados em astronomia e matemática, a publicação em 1611 do seu livro Dióptrica mudou o curso da óptica.
Em 1605, Kepler anunciou a primeira lei, a lei das elipses, que estabelecia que os planetas se movem em elipses com o Sol ocupando um dos focos. A Terra, segundo Kepler assegurava, fica mais perto do Sol em Janeiro e mais longe dele em Julho, de acordo com o percurso pela sua órbita elíptica.
A segunda lei, a lei das áreas iguais, estabelecia que os planetas varrem áreas iguais em tempos iguais. Kepler demonstrou isso mostrando que uma linha imaginária ligando qualquer planeta com o Sol deveria percorrer áreas iguais em intervalos de tempo iguais. Publicou ambas as leis em 1609 no seu livro Nova Astronomia (Astronomia Nova).
No entanto, apesar do seu estatuto de matemático imperial e de cientista distinto, a quem Galileu havia pedido uma opinião a propósito das suas novas descobertas telescópicas, Kepler era incapaz de assegurar para si próprio uma existência confortável.
Uma insurreição religiosa em Praga pôs em risco a sua nova morada, e em 1611 a sua mulher e o seu filho predilecto morreram. Foi permitido a Kepler, após ser demitido, regressar a Linz e, em 1613, casou com Susanna Reuttinger, uma órfã de 24 anos que lhe daria sete filhos, tendo apenas dois sobrevivido até à idade adulta. Foi nesta altura que a mãe de Kepler foi acusada de feitiçaria, e no meio de vários problemas pessoais ele foi forçado a defendê-la da acusação, de modo a impedir que fosse queimada na fogueira. Katherine foi presa e torturada, mas o seu filho conseguiu que ela fosse absolvida e recuperasse a liberdade.
Por causa desses contratempos, o regresso de Kepler a Linz não foi inicialmente uma época produtiva. Desgostoso, deixou de se preocupar com as tabelas e começou a trabalhar nas Harmonias do Mundo (Harmonice Mundi), um trabalho apaixonado que Max Caspar, na sua biografia de Kepler, descreveu como «uma grande visão cósmica, tecida de ciência, poesia, filosofia, teologia, misticismo». Kepler terminou as Harmonias do Mundo em 27 de Maio de 1618. Nesta série de cinco livros, ele alargou a sua teoria da harmonia à música, à astrologia, à geometria e à astronomia.
A série inclui a sua terceira lei do movimento planetário (a lei que inspiraria Isaac Newton uns 60 anos depois), que diz que os cubos das distâncias médias entre os planetas e o Sol são proporcionais aos quadrados de seus períodos de revolução. Em suma, Kepler descobriu como os planetas orbitavam e, fazendo isso, abriu caminho para que Newton descobrisse porquê.
Kepler acreditava que havia descoberto a lógica de Deus na planificação do Universo, e era incapaz de esconder seu êxtase. No Livro V de Harmonias do Mundo, escreveu:
Atrevo-me francamente a confessar que roubei as naus douradas dos Egípcios para construir um tabernáculo para o meu Deus muito para além dos grilhões do Egipto. Se me perdoares, alegrar-me-ei; se me reprovares, eu aguentarei. O dado foi lançado, e eu estou a escrever o Livro; se para ser lido agora ou na posteridade, não importa. Ele pode esperar um século por um leitor, tal como o próprio Deus esperou 6000 anos por uma testemunha.
A Guerra dos Trinta Anos, que, tendo começado em 1618, dizimou as terras austríacas e alemãs, forçou Kepler a sair de Linz em 1926. Acabou por ir para a cidade de Sagan, na Silésia. Lá, ele tentou concluir o que pode ser mais bem descrito como uma novela de ficção científica, na qual havia trabalhado durante anos, e que prejudicou a sua mãe no julgamento por bruxaria.
Sonhando com a Lua (Somnium seu astronomia lunari), que continha uma entrevista com um «demónio» sábio que explica como o protagonista poderia viajar até a Lua, havia sido descoberto e apresentado como prova no julgamento de Katherine. Kepler esgotou as suas forças tentando demonstrar que o trabalho era uma pura ficção e o demónio não passava de uma mera figura literária. Tratava-se de um livro ímpar, não só pelo facto de estar muito à frente da sua época em fantasia, mas também porque era um tratado apoiando a teoria de Copérnico.
Em 1630, com a idade de 58 anos, Kepler estava de novo na penúria financeira. Partiu para Regensburg, onde esperava recolher os lucros de algumas acções que possuía, bem como recuperar algum dinheiro que lhe deviam. No entanto, alguns dias após sua chegada, adoeceu, tendo morrido a 15 de Novembro. Apesar de nunca ter recebido reconhecimento público como Galileu, Kepler produziu uma quantidade de materiais que foram extraordinariamente úteis para astrónomos profissionais como Newton, que mergulharam nos pormenores e precisões da ciência de Kepler. Johannes Kepler era um adepto da harmonia e do equilíbrio estético, e tudo o que descobriu estava inextricavelmente ligado à sua visão de Deus. No seu epitáfio, composto por ele mesmo, lê-se: «Eu costumava medir os céus; mas agora devo medir as sombras da Terra.
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