Apesar dos protestos de católicos de toda a América Latina, o Vaticano permaneceu em silêncio durante boa parte do tempo em que Pinochet assassinava seus oponentes no Chile. Até porque a Igreja havia temido que Allende fizesse o país enveredar pelo comunismo, fazendo do Chile uma nova Cuba. Apesar de tocar no tema dos direitos humanos em sua visita ao país, em 1987, o papa João Paulo II foi bastante criticado ao cumprimentar Pinochet, gesto que foi encarado pela oposição como uma bênção ao ditador.
Conteúdos
Margareth Thatcher
Desde que o Chile garantiu apoio à Inglaterra na Guerra contra a Argentina pelas Malvinas, em 1982, a então primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher tornou-se amiga pessoal do ex-ditador. Ao saber que Pinochet havia sido preso em Londres, a ex-ministra logo manifestou sua solidariedade ao ex-ditador. Durante uma visita a Pinochet no dia 26 de março de 1999, a ex-primeira-ministra inglesa fez questão de posar para os fotógrafos ao lado do ex-presidente do Chile, que se encontrava em prisão domiciliar.
A participação americana no golpe
Documentos revelam como os Estados Unidos tramaram a derrubada de Allende. Em 4 de setembro de 1970, soou o alerta vermelho no gabinete de Henry Kissinger, conselheiro do presidente americano Richard Nixon para assuntos de segurança. O socialista Salvador Allende acabava de se eleger presidente do Chile. Se a moda pegasse, a ameaça marxista perigava se alastrar aos vizinhos pela via democrática.
Os Estados Unidos vinham despejando dinheiro em Santiago para favorecer políticos de direita, mas não tiveram sucesso contra Allende. Portanto, era preciso instigar um golpe antes de 24 de outubro, quando o Congresso ratificaria a eleição. Em 15 de setembro, Kissinger e Nixon se reuniram com Richard Helms, diretor da CIA, para pôr em marcha o novo plano. Helms anotou as seguintes orientações de Nixon:
“Dez milhões de dólares disponíveis, mais se necessário”, “Os melhores homens”, “Arrebentar a economia” e “Não meter a embaixada nisso”. As ordens foram reveladas em 1975 pela Comissão Church, do Senado americano, que investigou a ação encoberta dos Estados Unidos no Chile entre 1963 e 1973. Diante o fiasco do plano, Kissinger partiu para a última opção: derrocar o presidente. Nos três anos seguintes, os Estados Unidos gastaram 8 milhões de dólares para semear a discórdia no Chile, o que incluía propagandas e notícias falsas em jornais, dinheiro para opositores e apoio a grupos privados que incentivavam as greves.
O plano fomentou o caos que antecedeu o golpe. Embora tivesse uma relação mais próxima com a Argentina, Kissinger garantiu todo o apoio a Pinochet. A CIA treinou a polícia secreta chilena em 1974. Documentos liberados pelos EUA em 1999 mostram que o secretário de Estado também orientou seu pessoal a não pressionar o ditador sobre a violação aos direitos humanos. Isso ficou claro quando ele foi a Santiago, em 1976, para uma reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos). Antes do discurso, Kissinger garantiu a Pinochet que não falaria nada do Chile. Dito e feito: carta branca para o ditador.
“Acordei no dia 11 de setembro com o ronco dos aviões”
O cientista político Eduardo Kugelmas fala sobre sua vida no Chile antes e durante o golpe
A eleição de Allende
“Cheguei ao exílio em Santiago em 1970, na véspera da eleição de Allende. Naquele dia, encontrei centenas de milhares de pessoas na principal avenida da capital chilena no comício do então candidato socialista Salvador Allende. O resultado das eleições revelou claramente como o país estava dividido: a esquerda, representada por Allende, teve 36,3%. A direita, representada pelo candidato Jorge Alessandri, teve 34,8%. E o centro, representado pelo democrata-cristão Rodomiro Tomic, teve 27,8% dos votos. Sem segundo turno, não havia necessidade de Allende ter que compor com o centro, o que, ao meu ver, terminou fazendo com que ele não conseguisse governar.”
Luta de classes
“O racha político era visível em todas as partes. Da eleição de reitores a eleições para entidades de profissionais liberais.As manifestações contra o governo eram diárias, assim como a disputa pelo poder. Costumo dizer que naquele tempo, no Chile, vi pela primeira vez na vida diária o exemplo do conceito de luta de classes.A radicalização entre os grupos políticos era muito forte. E o principal sintoma da crise foi o esfacelamento da economia.
A crise obrigava a população a enfrentar longas jornadas para conseguir comprar produtos de primeira necessidade. E quem não quisesse esperar teria que pagar bem mais para comprar no mercado negro, o que aumentava a irritação da classe média. Poucos dias antes do golpe, estava em um restaurante chinês, no centro de Santiago, quando a cidade sofreu um blecaute que duraria horas. Naquele momento, eu e meus amigos sentimos que algo grave iria acontecer, já que ninguém aguentava mais viver em meio àquele cotidiano confuso.”
O 11 de Setembro
“Como morava na região central, acordei no dia 11 de setembro com o ronco dos caças que voavam em direção ao Palácio de La Moneda. Busquei informação no rádio, que falava de uma rebelião da Marinha na cidade de Valparaíso. Fui ao apartamento do meu vizinho, o cineasta chileno Raul Ruiz, para tentar buscar mais informações sobre o que estava acontecendo. Queríamos ir à rua para saber o que estava acontecendo, mas temíamos por nossa segurança. Os militares haviam espalhado rumores de que boa parte dos estrangeiros era composta de agentes da esquerda internacional e os brasileiros exilados temiam, com razão, que fossem torturados e mortos.”
Exílio
“Dois dias depois, fui buscar abrigo na embaixada da Venezuela, onde cerca de 100 estrangeiros acampavam enquanto aguardavam a transferência para outros países. Na embaixada, consegui a prorrogação de meu passaporte brasileiro e consegui embarcar, aliviado, para Buenos Aires, onde alguns parentes me aguardavam. Quando voltei a Santiago, em 1997, encontrei uma cidade rica, moderna e bem diferente da do tempo em que lá vivi.”
Livros
- Yo, Augusto, Ernesto Ekaiser, Aguilar, Buenos Aires, 2003
- Um catatau de 1024 páginas sobre a ascensão e a queda de Pinochet.
- La Conjura – Los 1001 Días del Golpe, Mónica González, Ediciones B, Santiago, 2000
- É talvez o livro definitivo sobre os bastidores da trama que derrubou Salvador Allende.
- Operación Siglo XX, Patrícia Verdugo e Carmen Hertz, Ornitorrinco, Santiago, 1999
- Passo-a-passo do atentado que quase tirou a vida do ditador.
- The London Clinic, Luis Salinas, LOM Ediciones, Santiago, 1999
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