Os conceitos de resistência e repressão estudados bem como as instâncias psicodinâmicas da personalidade nos permitirão agora compreender o conceito de mecanismo de defesa. Chamamos de mecanismos de defesa os diversos tipos de processos psíquicos, cuja finalidade consiste em afastar um evento gerador de angústia da percepção consciente. Os mecanismos de defesa são funções do Ego e, por definição, inconscientes.
O Ego situa-se em parte no consciente e em parte no inconsciente. Como sede da angústia, ele é mobilizado diante de um sinal de perigo e desencadeia uma série de mecanismos repressores que impedirão a vivência de factos dolorosos, os quais o organismo não está pronto para suportar. Por situar-se em parte no inconsciente, poderá mobilizar mecanismos inconscientes, que não serão percebidos pelo sujeito. Nem será percebido o evento doloroso, tampouco o mecanismo que o reprimiu. Neste aspecto, o trabalho de Melanie Klein será particularmente importante. Daremos agora uma relação dos principais mecanismos de defesa.
Conteúdos
Repressão
A repressão impede que pensamentos dolorosos ou perigosos cheguem à consciência. É o principal mecanismo de defesa, do qual derivam os demais. Já o estudamos, juntamente com a resistência.
Divisão ou cisão
Um objecto ou imagem com o qual nos relacionamos pode ter simultaneamente características que despertam nosso amor e o nosso ódio ou temor. Dividimos então este objecto em dois. Um será o objecto bom, ou seja, portador das características de amor, e com o qual preservaremos nosso bom relacionamento. O outro será o objecto mau, que negaremos ou poderemos atacar sem vivenciar culpas, uma vez que seus aspectos positivos já foram isolados no objecto bom. Para Melanie Klein, este é um mecanismo normal das primeiras etapas da vida, constituindo-se patológica a sua manutenção.
Negação ou negação da realidade
Não percebemos aspectos com o qual nos magoariam ou que seriam perigosos para nós. Por exemplo, se um filho começa a apresentar características homossexuais, o pai pode demorar a percebê-las, ou não as perceber. O clássico chavão que diz “tem pai que é cego” caracteriza bem a negação de perceber eventos dolorosos. Outro exemplo da realidade quotidiana é o cigarro. Negamos os riscos de câncer, as perturbações cardíacas que pode provocar, e continuamos fumando.
Projecção
Quando nos sentimos maus, ou quando um evento doloroso é de nossa responsabilidade, tendemos a projectá-lo no mundo externo, que ao nosso ver assumirá as características daquilo que não podemos ver em nós. Por exemplo, uma mãe que não cuida adequadamente dos filhos, acarretando-lhes vários problemas, poderá projectar a culpa em todas as situações que envolvem a criança. Dirá que se o filho vai mal na escola é porque a professora é ineficiente; se o filho vive doente é porque os amigos são doentes e o contaminam; se o filho não tem iniciativa é porque o pai não é firme; se é agressivo, ou melhor, que reage, é porque todas as pessoas o atacam.
Racionalização
Abstraímo-nos das vivências afectivas e, em cima de premissas lógicas, tentamos justificar nossas atitudes. Com isto tentamos nos provar que somos merecedores do reconhecimento dos outros. Por exemplo, exploramos uma empregada doméstica que recebe um salário muito baixo. Não podemos suportar a angústia de nos ver como exploradores. Então passamos a nos justificar para nós mesmos: “Ela é burra e não merece ganhar mais do que isso”, “trabalho braçal não cansa”, “se fosse para outro emprego, ganharia menos”, etc. Seleccionamos, portanto, da realidade, algumas informações fragmentadas, que justificam nossa conduta, e todo nosso pensamento é elaborado em cima delas.
Formação reactiva
Caracteriza-se por uma atitude ou um hábito psicológico com sentido oposto ao desejo recalcado. Por exemplo, desejos sexuais tensos podem ser transformados em comportamentos extremamente poderosos ou puritanos. Estes desejos são sentidos como perigosos, ou seja, que o indivíduo perderia seu controle caso cedesse a eles. Firmar-se numa atitude moralista, ou seja, actuar contrariamente ao que se deseja é um meio de autopreservação. Este exemplo é um tema frequente da literatura, onde alguém que mantinha um comportamento externo rigidamente puritano, diante da primeira experiência contrária, entrega-se à luxúria, cedendo aos desejos originais.
Identificação
Diante de sentimentos de inadequação, o sujeito internaliza características de alguém valorizado, passando a sentir-se como ele. A identificação é um processo no necessário no início da vida, quando a criança está assimilando o mundo. Mas permanecer em identificações impede a aquisição de uma identidade própria. Os movimentos fanáticos também se estrutura sobre a identificação: pessoas que se sentiam vazias passam a sentir-se valorizadas por se identificarem com o líder, ou com as propostas do movimento. Exemplo típico disto temos a juventude hitlerista.
Regressão
É voltar a níveis anteriores de desenvolvimento, que em geral se caracterizar por respostas menos maduras, diante de uma frustração evolutiva. Por exemplo, com o nascimento de um irmão menor, a criança mais velha não suporta a frustração de ser passada para segundo plano. Como defesa, infantiliza-se, volta à chupeta, à linguagem infantil, urina na cama, etc. Se o adultismo pode provocar frustrações, volta a um modelo infantil onde se sentia mais feliz.
Isolamento
Consiste em isolarmos um pensamento, atitude ou comportamento, das conexões que teria com o resto da elaboração mental. O comportamento assim isolado passa a não ameaçar, porque está separado e não mais conectado aos desejos iniciais. As condutas rituais dos neuróticos obsessivos são um exemplo típico do isolamento. Não só o afecto original fica isolado, como o ritual não é associado aos desejos iniciais.
Deslocamento
Através dele, descarregamos sentimentos acumulados, em geral sentimentos agressivos, em pessoas ou objectos menos perigosos. Por exemplo, suportamos o mau humor do chefe e em casa brigamos com os filhos ou chutamos o cachorro. Ouvimos, condescendentes, uma asneira praticada por nossa esposa, e crucificamos a secretária pelo menor erro cometido. Todos os sintomas psiconeuróticos acabam tendo a participação do deslocamento.
Sublimação
É considerado o mecanismo de defesa mais evoluído e é característico do indivíduo normal. Os desejos afectivos, que consideramos sexuais em um sentido amplo, quando não podem ser literalmente realizados, são canalizados pelo Ego para serem satisfeitos em actividades simbolicamente similares e socialmente produtivas. Por exemplo, os desejos sexuais intensos podem gerar, por sublimação, um grande fotógrafo. O desejo pelas mulheres fica sublimado em fotografá-las.
Sexualidade e libido
Referimo-nos frequentemente aos conceitos de instinto e pulsão. A caracterização específica dos conceitos constitui ainda uma dificuldade para a psicanálise, quer porque os termos evoluíram ou foram empregados em mais de um sentido na obra de Freud, quer porque os autores que geraram desenvolvimentos teóricos da psicanálise, divergiram em sua elaboração conceptual. Utilizamos de uma maneira não muito específica os termos instinto e pulsão. Tentávamos referir-nos a uma fonte original de energia afectiva, que mobiliza o organismo na perseguição de seus objectivos.
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