Para entender quem eram os sofistas e compreender sua arte de argumentar é preciso conhecer o contexto filosófico da época.
Durante todo o século VI a.C., foi sobre o mundo natural, que se exerceu a especulação racional dos gregos. Os gregos vão descobrir o contraste entre a physis e os nomos. Para entender, grosso modo, é o contraste entre a ordem natural (as leis naturais, eternas, imutáveis, inexoráveis, leis que o homem descobre) e a ordem humana (as leis humanas, escritas ou orais, costumes, regras de conduta, a própria linguagem).
Entanto, este contraste não é notado espontaneamente por qualquer cultura. Uma sociedade pré-filosófica pode apreender as leis humanas como tão inexoráveis como as leis naturais – Umas e outras fundadas no sagrado, constituídas pela vontade divina. A dessacralização da sociedade grega permitiu a partir do século V a.C. o surgimento de alguns sábios levados a reflectir sobre a natureza do nomos e a concluir que o nomos não era “natural”, mas sim produto da convenção humana. Estes sábios foram os sofistas.
Tendo fundamentado o nomo no próprio arbítrio dos homens, esses homens, eles, os sofistas, propunham educar, fosse qual fosse o conteúdo do ensinamento sofístico, parte integrante dele era a técnica de bem compor discursos, de bem usar as palavras, de bem falar sobre todas as coisas.
Ora, no regime democrático que então florescia em Atenas, aquele que tivessem o domínio da palavra teria o domínio da assembleia e, dessa forma, o poder político. Numa cultura em que o indivíduo se realiza dentro da polis (cidade-estado) e em função dela, o sucesso na política se confundia com o sucesso pessoal, com a vida bem-sucedida, com a própria felicidade. Não havia saber mais cobiçado que esse que os sofistas diziam ter e poder transmitir.
Para os atenienses em geral, Sócrates talvez fosse um sofista como os outros, no entanto Platão discordou desta ideia. Como Sócrates nada escreveu e os escritos dos sofistas foram todos perdidos restando apenas fragmentos, o que conhecemos desses personagens é a imagem que deles nos deixou Platão. E, para Platão, enquanto Sócrates é o filósofo por excelência, os sofistas… esses coitados, não são nem sábios nem filósofos. São charlatões, ilusionistas cujo saber se resume em “saber usar a palavra” e com ela criar, graças à ignorância do público a quem se dirigem, uma falsa aparência de saber.
Conteúdos
Os sofistas entram em cena
Ao tempo em que florescia Demócrito, já tinham feito sua entrada no cenário intelectual de Atenas alguns dos maiores sofistas: Górgias de Leôncio, o primeiro dos grandes mestres da retórica; Protágoras de Abdera, conhecido por seu relativismo em matéria de conhecimento; Hípias de Elis, célebre por sua polimatia.
A retórica. Técnica de persuasão vazia de conteúdo
No regime democrático que vigorava em Atenas, o exercício da função política dependia do bom uso da palavra. E os sofistas foram mestres na arte de bem falar, tanto em discursos longos quanto breves (perguntas e respostas).
O homem é a medida de todas as coisas
A retórica sofística – que se apresenta como uma técnica de persuadir qualquer um de qualquer coisa, pressupõe uma tese de gravíssimas consequências para quem, como Platão, quer estabelecer a política como ciência: o relativismo do conhecimento. De facto, a existência de um conhecimento absoluto, verdadeiro, limita o jogo da retórica: àquele que realmente sabe, não é possível persuadi do contrário. O sofista vai, pois, negar que exista a verdade, ou pelo menos a possibilidade de acesso a ela. Para o sofista, só existem opiniões: boas e más, melhores e piores, úteis e prejudiciais, mas jamais falsas e verdadeiras. Na formulação clássica de Protágoras, “o homem é a medida de todas as coisas”.
É impossível aprender
Os sofistas foram mestres em articular argumentos capciosos. Alguns deles, não são argumentos falsos; revelam, ao contrario, sérias dificuldades filosóficas. Um dos mais interessantes é o argumento sobre a impossibilidade de adquirir conhecimento, isto é, de aprender.
O sofista sabe tudo
Um dos aspectos da sofística que mais se presta à crítica do Platão é a polimatia. Aliás, é uma consequência também ligada à técnica retórica. Para persuadir qualquer um de qualquer coisa, é preciso ser capaz de falar, e bem falar, sobre qualquer coisa. Num certo sentido, é preciso saber tudo. Mas saber tudo é impossível, argumenta Platão. Logo, o saber sofístico é uma aparência, a retórica é necessariamente uma arte de engodo e o sofista é um grande charlatão.
A disputa verbal: a heurística
Sócrates havia desenvolvido um método de pesquisa, que procedia por questões e respostas, chamada dialéctica. A dialéctica socrática consistia, em grande parte, em refutar as teses apresentadas pelo interlocutor. Mas a refutação socrática tinha uma intenção catártica, isto é, purificadora. Sócrates pretendia purificar o interlocutor das opiniões falsas que ele tinha a respeito daquilo que era objecto da pesquisa. Com isso, forçava um novo ponto de partida que permitisse, eventualmente, chegar ao conhecimento da verdade.
Ao tempo da velhice de Sócrates começaram a surgir sofistas que, talvez remendando a dialéctica socrática, se especializaram em uma técnica de agonística (disputa) verbal, também conhecida como heurística. Ao contrário de Sócrates, esses sofistas não tinham o menor interesse em alcançar conhecimento algum. O que eles queriam era ridicularizar o adversário, confundi-lo, refutá-lo a qualquer preço, ganhando assim a disputa. Para isso, não tinham o menor escrúpulo em viciar os argumentos, criando dessa forma os argumentos conhecidos como argumentos sofísticos, argumentos heurísticos ou simplesmente sofismas.
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