A seca é um drama que ciclicamente se repete nas calcinadas vastidões dos dilatados suis. Mas nem a consciência de uma tal constância lhe minimiza um travo a morte e a perda.
Desidrata-se a terra, desidratam-se as ramas, altera-se a cor do mundo: embranquece o céu, escurece o capim.
Apartam-se os horizontes. Os montes ganham distância, mergulhados numa espessa e nebulosa atmosfera, ofuscante em si mesma, opressiva em brumas e poeiras.
Enrola-se o tempo. Já não há estações que o meçam. Renovam-se as luas, sem sinais que as distingam de outras luas. Um mundo muito igual, os dias sobre os dias e nem um vento para cruzar-se firme com as direcções sabidas de outros ventos, o mesmo sol, as mesmas noites frias.
Esgota-se o milho das últimas reservas até já nem sobrar a semente guardada para a última esperança de águas. Alteram-se os hábitos e circuitos. Às cantinas das vilas e das povoações começa a chegar gado para trocar por farinha.
Rompe-se o ciclo das transumâncias. Vêm manadas de longe, para procurar algum capim nas baixas derradeiras lamas das maiores lagoas. E o gado chega e bebe e cai, incapaz de suportar, no ventre, o peso da água. E apodrece nas margens.
Conduzidos pela razão do seu viver, os homens prosseguem sempre, atentos ainda ao refazer da vida. Descem ao deserto e invadem as planícies antes desprezadas. Tangem o que lhes resta das manadas, reduzidas, no dia-a-dia, pela queda dos animais mais fracos. Em Outubro reacende-se a esperança. Aguardam-se luas, vigiam-se os ventos. Reinicia-se o ciclo da esperança. Animam-se os homens, interrogando os astros, e os animais denunciam ansiedades.
Também os cães, infatigáveis trotadores da fome, a inverter os rumos sem quê nem para quê, farejando o vento com ar descuidado e mordendo as pedras olhando para o céu. Mas não chove ainda. Outro Novembro é gasto. E chega o Natal.
Ruy Duarte de Carvalho,
Como se o Mundo não Tivesse Leste
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