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Dívida Pública, Incluindo As Garantias Públicas
No que diz respeito tanto ao valor absoluto como ao peso no PIB, a situação da dívida pública em 2015 é pior que em 2005, último ano antes da significativa redução da dívida realizada (em 2006) por via da iniciativa do PPAL, Em conclusão, embora a dívida ilícita piore a situação e reduza drasticamente a credibilidade das instituições nacionais, a dinâmica de endividamento público como opção de desenvolvimento é o problema maior.
Como veremos nos dados que se seguem:
A dívida ilícita é apenas um sexto do stock da dívida pública total, e um quarto do stock da dívida externa, mas a dívida ilícita é quase metade da dívida comercial, sendo muito cara, de muito curto prazo, envolvendo ligações financeiras internacionais complexas e obscuras, e de difícil renegociação
A dívida, em si, não tem que ser entendida como um grande problema. Se a dívida for utilizada para financiar um processo de acumulação e reprodução económica, que não só permita sustentar o serviço da dívida, mas gere mais opções e oportunidades na economia, a torne mais dinâmica e amplifique os seus benefícios sociais, então a dívida pode jogar um papel útil. Será isto o que aconteceu com a dívida moçambicana?
Na tabela que se segue, pode observar-se que, do lado da despesa, 79% do endividamento foi gerado por investimento em obras de grande porte associadas a mega projectos (60%) e pelas garantias públicas ilícitas (19%) para dívida privada (uma parte da qual presumivelmente foi para mega projectos, outra presumivelmente foi para segurança, mas que não se sabe ao certo).
Portanto, o endividamento público foi orientado para o grande capital multinacional e doméstico (infra-estruturas dos mega projectos, garantia pública de dívida privada para mega projectos, negócio da construção e bolha imobiliária), consolidando a estrutura extractiva afunilada da base produtiva, a sua incapacidade de gerar empregos decentes e a sua dependência de importações.
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A Dívida Não Tem Somente O Lado Da Despesa, Tem Também O Da Receita
O grande capital beneficia de incentivos fiscais por longos períodos, de grande dimensão e, geralmente, redundantes. O valor dos incentivos fiscais redundantes dados a apenas três grandes empresas – Mozal, Sasol e Kenmare – é superior ao crescimento médio anual da dívida pública doméstica nos últimos dez anos. Se tais incentivos fossem eliminados, com a mesma despesa o Estado poderia travar o crescimento da dívida pública doméstica, libertando recursos no orçamento do estado e reduzindo o efeito especulativo sobre o sector financeiro doméstico.
Outras formas de perda de receita: taxas de terra, concessão de infra-estruturas públicas a baixo custo, concessão de recursos naturais estratégicos a baixo custo, venda de gás e outros recursos naturais a preços baixos. Isto favorece o grande capital (multinacional e doméstico), mas limita as opções e as capacidades fiscais do Estado e reforça a desigualdade e injustiça social na distribuição do rendimento (por exemplo, os trabalhadores e as pequenas e médias empresas pagam mais impostos que os mega projectos).
Implicações Da Dívida Pública
Serviço da dívida e o Orçamento do Estado: redução da capacidade financeira do Estado para prosseguir políticas e programas económicos e sociais mais amplos, gerando uma crise fiscal e tornando o Estado em servidor do grande capital. Reforço da desigualdade e injustiça social na distribuição do rendimento.
Dívida auto alimenta-se: contrair nova dívida para pagar dívida (por exemplo: o rápido crescimento da dívida externa comercial acelerou o crescimento da dívida interna; mais dívida confessional, por exemplo, empréstimos do FMI para repor reservas externas e estabilizar a moeda, para lidar com consequências da dívida a curto prazo; baixas expectativas sobre a capacidade de o país pagar dívida podem aumentar as juros de tal modo que o serviço da dívida se torna insustentável e o stock de dívida cresce por acumulação de arrearas).
Dívida incentiva especulação financeira e reduz a capacidade de financiamento da produção e torna o sistema financeiro mais especulativo: O rápido crescimento da dívida externa contrai a disponibilidade de moeda externa (vital numa economia dependente de importações para investir e para operar a capacidade produtiva), aumenta o risco da economia e aumenta o custo do capital externo (exemplos:
- Redução brutal do rating de Moçambique no sistema financeiro internacional; duplicação, em pouco mais de um ano, dos prémios de financiamento externo);
- Dado que o serviço de dívida aumenta, a dívida interna, utilizada para financiar o défice público de curto prazo, aumenta.
O rápido crescimento da dívida interna exacerba o carácter especulativo do sistema financeiro nacional e mantém o capital excessivamente caro e inacessível às pequenas e médias empresas (cerca de 25% do financiamento bancário usado para aquisição de títulos de dívida pública; 80% das transacções na bolsa de valores são transacções de dívida pública)
O Carácter Especulativo Do Sistema Financeiro Faz Falir Empresa Produtivas:
Dívidas correntes insustentáveis, Financiamento futuro insustentável e crise da oferta A ruptura das reservas externas e da disponibilidade de divisas impede e encarece as importações.
Numa economia tão dependente de importações – para investimento, para operação da capacidade instalada e para o consumo básico – o rápido crescimento da dívida e o seu efeito na depreciação da moeda nacional e efeito especulativo no sistema financeiro geram dois efeitos cumulativos que reduzem o poder de compra e a produção e aumentam a pobreza (crise da oferta e da procura): Emprego diminui porque as empresa não conseguem importar o que necessitam (e não há capacidade instalada de substituição de importações, a curto prazo)
O custo dos bens básicos aumenta. A dívida ilícita e secreta reduz a credibilidade e a soberania política e financeira do Estado e de todas as instituições nacionais, e torna mais difícil e mais caro o acesso a capital.
Mitos Sobre a Dívida
Sustentabilidade: 1) rácios de sustentabilidade são inadequados para a nossa economia;
2) sustentabilidade é politicamente definida pela capacidade política e administrativa do Estado de definir prioridades e reprimir umas despesas a favor de outras;
3) expectativas da economia: bolha explodiu e está a implodir; e
4) outros impactos macroeconómicos estruturantes que vão para além dos parâmetros estáticos de sustentabilidade.
A dívida não é um problema: claro que é, e já mostrámos que é, nesta palestra, tanto por causa da velocidade a que cresce e da sua transformação estrutural em dívida comercial, como por causa da sua aplicação. A dívida gerou um país com mais capacidade: claro que não, e já mostrámos que não, ao longo desta palestra. A pouca maior capacidade foi gerada para mega projectos, à custa da diversificação e articulação da produção e do emprego e da ampliação do benéficos sociais do crescimento económico.
Momento atípico: as causas estruturais da crise da dívida são antigas e têm vindo a piorar ao longo dos últimos 30 anos (afunilamento da base produtiva, perda da capacidade de substituição de importações, crescimento económico cm base especulativa, aceleração do endividamento na última década, a bolha económica do período 2010-2014, etc.). Nada disto é recente, isolado ou atípico.
Excesso de consumo sobre produção: de modo algum. Excesso de apoio ao grande capital doméstico e multinacional e excessiva expropriação do Estado sem ganhos sociais, isto sim. Se falarmos em excesso de consumo, em geral, parece que os moçambicanos todos estão a gozar bem do endividamento do Estado – não nos esqueçamos que mais de 54% da população vivem em pobreza absoluta e outros 25%-30% vivem em condições de alta vulnerabilidade.
A crise actual nada tem que ver com a dívida: claro que tem, já explicámos isso. Temos que honrar a dívida do Estado: a ilícita, por ser ilícita, não é do Estado. Além disso, essa dívida cai na categoria de dívida odiosa, que pode ser eliminada se conseguirmos provar que é ilícita e que não beneficiou o País. Logo, a necessidade de uma auditoria internacional forense que forme a base legal para uma negociação da eliminação da dívida ilícita dos livros e da responsabilidade do Estado.
A questão da auditoria externa forense é apenas pressão dos doadores: não é verdade. É uma necessidade – se queremos libertar-nos do pagamento da dívida ilícita, esta auditoria é vital. A culpa é dos doadores: má desculpa, embora haja uma fracção de verdade nesta afirmação. Os doadores não ajudaram, mas não criaram estes problemas nem fizeram as opções por Moçambique.
Debates Sobre O Futuro
Visão estratégica: Medidas de ajustamento não podem apenas olhar para o aparente curto prazo Olhar não para o ajustamento da procura agregada à crise da dívida, mas para o reestruturação da base produtiva, de acumulação e de desenvolvimento da economia.
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ARRILHO, Norberto, (1996) “A Legislação Eleitoral em Moçambique e a realização política e social” In: Brazão Mazula (ed.) Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo.
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