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Discurso directo
No discurso directo ocorre a reprodução textual das falas das personagens. A personagem é chamada a apresentar as suas próprias palavras.
Características
No PLANO FORMAL, um enunciado em discurso directo é marcado, geralmente, pela presença de verbos do tipo dizer, afirmar, ponderar, sugerir, perguntar, indagar, responder e sinónimos, que podem introduzi-lo, arrematá-lo, ou nele se inserir. Exemplos:
- Meneou a cabeça com ar triste e acrescentou: – O homem acostumou-se a tudo, sim, a tudo, até a esquecer-se que é um homem…
- É esta a gaveta? – perguntou ele.
- Penso – disse meu pai – que te darás melhor em Letras.
Quando falta um desses verbos dicendi, cabe ao contexto e a recursos gráficos – tais como os dois pontos, as aspas, o travessão e a mudança de linha – a função de indicar a fala da personagem. Exemplos:
- “Todos vamos ficando diferentes, e vinte e cinco é uma vida.”
“Para muitos é mais do que isso.”
“Claro que é.”
- O amigo abraçou-o. E logo recuou com certo espanto: – o seu chapéu, Zé Maria?
– Ah, não uso mais!…
– Felizardo!
No PLANO EXPRESSIVO, a força da narração e discurso directo provém essencialmente da sua capacidade de actualizar o episódio, fazendo emergir da situação a personagem, tornando-a viva para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o narrador desempenha a mera função de indicador das falas. Estas, na reprodução directa, ganham naturalidade e vivacidade, enriquecidas por elementos linguísticos tais como exclamações, interrogações, interjeições, vocativos e imperativos, que costumam marcar de emotividade a expressão oral.
Observe-se, também, que a variedade de verbos introdutores oferecida pela língua portuguesa aos seus usuários permite a quem se sirva do discurso directo caracterizar, com precisão e colorido, a atitude da personagem cuja fala vai ser textualmente reproduzida.
Discurso indirecto
José Dias deixou-se estar calado, suspirou e acabou confessando que era médico. Ao contrário do que observamos nos enunciados em discurso directo, o narrador incorpora aqui, ao seu próprio falar, uma informação da personagem (José Dias), contentando-se em transmitir ao leitor apenas o seu conteúdo, sem nenhum respeito à forma linguística que teria sido realmente empregada.
Características
No PLANO FORMAL, verifica-se que, introduzidas também por um verbo declarativo (dizer, afirmar, ponderar, confessar, responder, etc.), as falas das personagens aparecem, no entanto, numa oração subordinada substantiva, em geral desenvolvida. Exemplo:
- João Garcia garantiu que sim, que voltava.
Nestas orações pode ocorrer a elipse da conjunção integrante. Exemplo:
- Como supunha fôssemos ter ainda uma quinzena de actividade e pudéssemos esgotar o programa, demorara-me alguns dias em Machado e Eça.
A integrante falta, naturalmente, quando, numa construção em discurso indirecto, a subordinada substantiva assume a forma reduzida. Exemplo:
- Foi nesse sertão primitivo e rude que Arinos me contou ter sentido talvez a maior, a mais pura das sensações de arte.
No PLANO EXPRESSIVO, assinala-se, em primeiro lugar, que o emprego do discurso indirecto pressupõe um tipo de relato de carácter predominantemente informativo e intelectivo, sem feição teatral e actualizadora do discurso directo. O diálogo é incorporado à narração mediante uma forte subordinação semântico-sintáctica estabelecida por meio de nexos e correspondências verbais entre a frase reproduzida e a frase introdutória.
Em síntese: no discurso indirecto o narrador subordina a si a personagem, com retirar-lhe a forma própria e afectivamente matizada da expressão. Mas não se conclua daí que tal modalidade de discurso seja uma construção estilística pobre. O seu uso ressalta o pensamento, a essência significativa do enunciado reproduzido, deixando em segundo plano as circunstâncias e os detalhes acessórios que o envolvem.
É, na verdade, do emprego sabiamente dosado de um e outro tipo de discurso que os bons escritores extraem da narrativa os mais variados efeitos artísticos, em consonância com intenções expressivas que só a análise em profundidade de uma obra pode revelar.
Transposição do discurso directo para o indirecto
Do confronto das duas frases:
– A senhora vai sair – disse ela olhando-o muito.
Ela disse olhando-o muito que a senhora ia sair.
verifica-se que, ao passar-se de um tipo de relato para outro, certos elementos do enunciado se modificam, por acomodação ao novo molde sintático.
As principais transposições que ocorrem são:
DISCURSO DIRECTO | DISCURSO INDIRECTO |
a) Enunciado em 1ª ou em 2ª pessoa:
– Preciso de dinheiro – disse o capitão. – Não achas melhor melhor tirar esse poncho? – perguntou-lhe Rodrigo. |
a) Enunciado em 3ª pessoa:
Disse o capitão que precisava de dinheiro. Perguntou-lhe Rodrigo se não achava melhor tirar aquele poncho. |
b) Verbo enunciado no presente:
– Sou a Julieta – disse, hesitante. |
b) Verbo enunciado no imperfeito:
Disse, hesitante, que era a Julieta. |
c) Verbo enunciado no pretérito:
– Nem banho tomei, ela esclarecia. |
c) Verbo enunciado no pretérito mais-que perfeito:
Ela esclarecia que nem banho tinha tomado. |
d) Verbo enunciado no futuro do presente:
– Que será feito do senhor padre Brito? perguntou D. Joaquina Gansoso. |
d) Verbo enunciado no futuro do pretérito:
Perguntou D. Joaquina Gansoso que seria feito do senhor padre Brito. |
e) Verbo no modo imperativo:
– Não faça escândalo – disse a outra. |
e) Verbo no modo conjuntivo:
Disse a outra que não fizesse escândalo. |
f) Pronome demonstrativo: de 1ª (este, esta, isto) ou de 2ª pessoa (esse, essa, isso):
– Não abro a porta a estas horas a ninguém – disse Gracia. – Isso é um número muito comprido, respondeu Cesária. |
f) Pronome demonstrativo de 3ª pessoa (aquele, aquela, aquilo):
Disse Gracia que não abria a porta àquelas horas a ninguém. Cesária respondeu que aquilo era um número muito comprido. |
g) Advérbio de lugar aqui:
– Aqui amanhece muito cedo – disse Sales. |
g) Advérbio de lugar ali:
Disse Sales que ali amanhecia muito cedo. |
h) Enunciado justaposto:
– Foi um tempo velhaco – disse, concordante e enfastiado. |
h) Enunciado subordinado, geralmente introduzido pela integrante que:
Disse, concordante e enfastiado, que tinha sido um tempo velhaco. |
i) Enunciado em forma interrogativa directa:
– “Lá é bom?” – perguntei. |
i) Enunciado em forma interrogativa indirecta:
Perguntei se lá era bom. |
Bibliografia
CUNHA, Celso & CINTRA, Luís. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 17 ed., Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2002.