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A globalização e seus impactos
O mundo actual é caracterizado pela proximidade entre lugares ou regiões que por muito tempo considerou-se que estivessem distantes. Essa proximidade é resultante dos avanços de ordem tecnológica, os quais resultaram na invenção e no melhoramento técnico de vários meios de informação e comunicação, como também de transportes, permitindo, dessa forma, a redução do tempo-lugar para a interacção entre pessoas localizadas em diferentes pontos do planeta. É, igualmente, caracterizado por uma espécie de misturas, onde uma grande diversidade de elementos culturais vai interagindo e mesclando-se uns com os outros, acabando, de certa forma, por dificultar a identificação de certos aspectos culturais, pois uns que aparentemente “destacam-se” em relação aos outros acabam ofuscando esses outros.
Esses aspectos resumem-se em Globalização/Homogeneização, um fenómeno muito recente que é, característica fundamental do capitalismo, e, que, ganhou mais poder com a queda do murro do Berlim (1989) e a consequente desagregação da URSS (1991). Portanto, este capítulo propõe-se a fazer uma abordagem em torno de aspectos ligados a globalização (origem, conceptualização, factores e impactos socioculturais).
Abordagem sobre a origem e conceptualização da Globalização
A origem da globalização pode ser encontrada na Revolução Industrial do século XVIII. Todavia, foi no século XX que o termo ganhou notoriedade, concretamente na última década, não obstante ao seu uso, pelos intelectuais, durante o século XIX, para a descrição do processo de modernização que implicava uma crescente integração mundial. Fundamentalmente, a globalização pode-se entender como resultado do desenvolvimento do capitalismo a uma escala mundial e igualmente a continuidade da lógica civilizacional designada pela modernidade. Em termos práticos, este fenómeno sucedeu ao final da Guerra Fria, tendo-se instalado com a hegemonia do capitalismo.
Em uma perspectiva minuciosa, olhando para os aspectos que entende-se serem apanágios da globalização, pode-se crer, por sua via, que a globalização inicia-se com o processo das viagens expansionistas levadas a cabo no século XV, pois a partir desse momento, vai-se assistir a um processo onde os países europeus procuram expandir a sua cultura pelos países em que se faziam, entendendo as suas manifestações culturais como mais dignas em relação às outras e, assim, lutam pela aculturação dos africanos, americanos e asiáticos. Portanto, é a partir daí que se assiste a este processo de globalização, não obstante tenha sido mais notório já nos finais do século XX, pois com a ascensão do capitalismo e derrube do socialismo, a tendência passa a ser de expandir-se sem barreira alguma, por todo mundo.
O mundo actual tornou as pessoas muito mais interdependentes das outras pessoas, não obstante estas estejam a milhares de quilómetros de distância. Trata-se, assim, de relações entre local e global, que são recentes, quanto a história da humanidade, havendo-se acelerados nos últimos trinta ou quarenta anos, como consequência dos progressos dramáticos no campo da comunicação, tecnologia de informação e dos transportes. Portanto, é a isso que se refere a globalização, isto é, o facto de viver-se cada vez mais em um único mundo, pois os indivíduos, os grupos e as nações tornaram-se mais interdependentes.
A globalização pode ainda ser entendida como o resultado directo da multiplicação e da intensificação de relações que estabelecem-se entre os agentes económicos situados nos mais diferentes pontos do espaço mundial. É, praticamente, um processo cujo seu avanço exige a abertura dos mercados nacionais e, tanto quanto possível, a supressão das fronteiras que separam os países uns dos outros. Ora, este fenómeno é desenvolvido fundamentalmente pela competição e por conta disso, tudo que dele suscita é a competição irrestrita – livre de entraves que a cerquem – e universal – envolvendo todos contra todos em qualquer ponto do planeta.
Abordagem sobre os factores da Globalização/homogeneização
A globalização é, actualmente, entendida como se de um fenómeno caracteristicamente económico se tratasse, fazendo com que, muitas vezes a análise centre-se no tocante ao papel das transnacionais, cujas gigantescas operações ultrapassam as fronteiras dos países, influenciando, deste modo, os processos globais de produção e distribuição internacional do trabalho. Não se menospreza o papel das forças económicas, mas é errado pensar que tais por si só fazem a globalização, pois em realidade, trata-se de um resultado de conjugação de factores de ordens económica, social, política e cultural. Entretanto, o progresso da globalização encontra-se fundado no desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação.
A globalização apresenta-se, actualmente, como um fenómeno caracteristicamente perverso. Entre os elementos que constituem-se como factores deste fenómeno, com a sua característica actual, descrevem-se a forma como a informação é fornecida à humanidade e a emergência do dinheiro em estado puro como motor da vida económica e social. Estes elementos constituem as duas violências centrais, alicerces do sistema ideológico que justifica as acções hegemónicas e leva ao império das fabulações, a percepções caracterizadas por serem fragmentadas e ao discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos – globalitarismos – que assistem-se.
Como pode-se ver, os dois teóricos convergem no tocante ao avanço das tecnologias de informação e comunicação como responsáveis pelo progresso da globalização. A informação é violenta, no período histórico actual, visto que, caracteriza-se por possuir um papel despótico. Ora, no mundo actual, as novas condições técnicas deveriam, geralmente, permitir a ampliação do conhecimento do planeta, dos objectos que formam-no, das sociedades que nele habitam. Mas o que assiste-se é o uso das técnicas de informação por um punhado de actores em função de seus objectivos particulares.
Trata-se, neste caso, de alguns Estados e algumas empresas que apropriam-se das técnicas de informação, aprofundando desse modo os processos de criação de desigualdades. Neste estado de coisas, o que transmite-se a maioria da humanidade é uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Esse facto é extremamente grave, pois nas condições actuais de vida económica e social, a informação constitui-se num dado essencial e imprescindível, mas na medida em que chega as pessoas o resultado de uma manipulação, tal informação apresenta-se como uma ideologia. Sinteticamente, percebe-se que a informação, actualmente, apresenta dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual busca convencer.
Portanto, pode-se perceber que as tecnologias de informação e comunicação conseguem surtir efeitos significativos neste processo de globalização, pois tornam-se nos principais potenciadores, tal como explica Giddens (2008), que as formas actuais de tecnologia facilitam a compreensão do tempo e do espaço, pois através delas, indivíduos localizados em locais distantes ou até opostos do planeta, podem ter conversa em tempo real, como podem, igualmente, enviar documentos e imagens um ao outro.
Portanto, o uso corrente da internet e dos telemóveis acelera os processos de globalização. E sublinhe-se o posicionamento de Giddens, que refere que (…) hoje em dia, as pessoas estão mais consciente da sua ligação aos outros e mais dispostas a identificar-se com questões e processos globais do que antigamente.
É importante entender que neste processo em que as pessoas identificam-se com questões e processos globais, é exactamente na medida em que consomem a cultura e a política que é difundida pelas tecnologias de informação e comunicação, e, alguns, acabam renunciando às suas práticas próprias em favor da que acompanham através desses meios.
Santos (2000) aborda também a questão do dinheiro, este que entende-o como violento, por várias razões, uma delas é o facto de as grandes empresas ladearem-se, compulsoriamente, por grandes empresas financeiras. Veja-se que essas empresas financeiras das multinacionais utilizam, em grande parte, poupanças dos países em que encontram-se, e quando expatriado, esse dinheiro tem a possibilidade de retornar ao país de origem em forma de crédito e de dívida, isso por intermédio das grandes empresas globais. Ora, o que seria poupança interna transforma-se em poupança externa, pelo qual os países recipiendários devem pagar juros extorsivos.
Nessa linha, o que sai como royalties, inteligência comprada, pagamento de serviços ou remessa de lucros volta como crédito e dívida. Nessa esteira, entende-se que ao aceitar-se o modelo económico em que o pagamento da dívida é prioritário implica aceitar a lógica do mesmo dinheiro, e, se o dinheiro em estado puro tornou-se despótico, é também devido ao facto de tudo tornar-se valor de troca.
Por outro lado, para as empresas transnacionais, este que entende que possuem um papel especialmente importante e estão no cerne da globalização económica, visto que são responsáveis por dois terços de todo comércio mundial, são cruciais para a difusão de novas tecnologias em todo o mundo, e traduzem-se em actores decisivo nos mercados financeiros internacionais. Ademais, as principais transnacionais têm uma dimensão económica maior do que a maior parte dos países do mundo, e estas empresas vão expandindo suas operações por quase todos países do mundo.
Impacto da globalização
Enquanto fenómeno, a globalização «existe aqui e agora», afectando as nossas vidas pessoais e íntimas de inúmeras formas. Este posicionamento dá a entender que não é apenas em uma perspectiva colectiva que a globalização opera, como também opera em situações individuais e íntimas, e, mais ainda, interpreta-se como um fenómeno de grande dimensão, na medida em que entende, o autor, que afecta de diversas formas, portanto, isso reflecte-se na diversidade de faces que este fenómeno apresenta.
Assim, a globalização está a traduzir-se num fenómeno de mudança radical da natureza de experiências quotidianas, pois à medida que as sociedades sofrem profundas transformações, as instituições que as sustentavam tornam-se obsoletas, o que leva a uma obrigação de redefinição de determinados aspectos íntimos e pessoais.
A realidade actual tornou-se em uma fábrica da perversidade, onde a fome deixa de ser um facto isolado ou ocasional, passando a ser um dado generalizado e permanente; o desemprego é algo comum; ficou mais difícil atribuir educação de qualidade e mesmo erradicar o analfabetismo; a pobreza aumenta.
Portanto, a perversidade deixa de manifestar-se por factos isolados, atribuídos a distorções da personalidade, para estabelecer-se como um sistema, e a causa essencial disso é a instituição, por lei geral da vida social, da competitividade como regra absoluta, pois ela escorre sobre todo o edifício social.
E por conta desses elementos, celebram-se o egoísmo, o alastramento do narcisismo, a tendência de trivializar a guerra de todos contra todos, com a utilização de qualquer que seja o meio para competir e se possível, vencer. Daí, difunde-se, também, outro subproduto da competitividade, a corrupção. É assim que este sistema de perversidade vai ampliar as desigualdades de todo género – interpessoais, de classes, regionais e internacionais.
A globalização provocou transformações profundas no mundo do trabalho, pois os novos padrões de comércio internacional e o surgimento de uma economia de informação tiveram um impacto profundo nos padrões de emprego de longa duração. O comércio global e as novas tecnologias tiveram um profundo impacto nas comunidades que assentavam na manufactura tradicional, pois, muitos trabalhadores industriais ficaram desempregados e sem tipo de aptidões necessárias para fazer parte de nova economia baseada na informação.
A actualidade, por conta da globalização, caracteriza-se por uma pobreza estrutural globalizada, que resulta de um sistema de acção deliberada. Ora, em um olhar minucioso, percebe-se que o poder público vai-se retirando das tarefas ligadas a protecção social, e ao mesmo tempo, gera-se o desemprego e a remuneração do emprego torna-se cada vez pior, o que conduz a consideração de que a actual divisão administrativa do trabalho e a ausência deliberada do Estado de sua missão social de regulação estão a contribuir para uma produção científica, globalizada e voluntária da pobreza.
Trata-se de uma pobreza difusa, generalizada, permanente e global. Portanto, chega-se a entender que está-se perante uma espécie de naturalização da pobreza, que é politicamente produzida pelos actores globais com a colaboração consciente dos governos nacionais e com a convivência de intelectuais contratados para legitimar essa naturalização. Estes actores (instituições e empresas) globais, de um lado, pagam para criar soluções localizadas, parcializadas, segmentadas, como é o caso do Banco Mundial, que, em diferentes partes do mundo, financia programas de atenção aos pobres, querendo passar a impressão de interessar-se pelos desvalidos, enquanto, estruturalmente, é o grande produtor da pobreza.
Sob a globalização, está-se perante a emergência de um novo individualismo, onde as pessoas têm de constituir-se a si próprias de modo activo e construir as suas identidades. À medida que se estabelece alguma interacção entre as comunidades e uma nova ordem mundial, o peso da tradição e dos valores estabelecidos enfraquece. Os códigos sociais que outrora guiavam as escolhas e as acções das pessoas perderam significativamente importância.
Os quadros tradicionais de identidade dissolvem-se, enquanto emergem novos padrões de identidade. Mesmo as mais pequenas escolhas que fazem-se, individual ou colectivamente, no dia-a-dia são parte integrante de um processo contínuo de criação e recriação das identidades pessoais.
Contexto cultural
A globalização cultural é uma das mais directamente percebidas e vivenciadas. Esta dimensão de globalização traduz-se na internacionalização de marcas de consumo, celebridades, música, cinema, moda, entre outros elementos, e constitui, de certa forma, manifestações de globalização mais recentes e presentes na vida quotidiana do cidadão comum. Salienta-se ainda, ser inconcebível, nos dias actuais, o total isolamento de uma sociedade, sem sofrer influência de outras e sem corpo de elementos culturais comuns a outras culturas.
Imagens, ideias, produtos e estilos disseminam-se, actualmente, pelo mundo inteiro e de uma forma mais rápida, onde o comércio, as novas tecnologias de informação, os meios de comunicação internacionais e a migração global fomentam, continuamente, um fluxo irrestrito de cultura que transpõe fronteiras das diversas nações. Veja-se, por exemplo, os filmes e programas televisivos de produção ocidental, que dominam os media mundiais, tem a tendência de avançar uma série de agendas políticas, sociais e económicas que reflectem uma visão do mundo especificamente ocidental.
Portanto, percebe-se, nessa linha, que a globalização conduz a uma criação de uma cultura global, em que os valores dos mais ricos e poderosos sobrepõem-se à força dos hábitos e das tradições locais. Assim, entende-se ser a globalização, uma forma de imperialismo cultural, em que os valores, os estilos e as perspectivas ocidentais são divulgados de modo extremamente agressivo que suprimem as outras culturas nacionais.
Com o surgimento de uma nova família de técnicas, as outras não desaparecem, persistem, mas o novo conjunto de instrumentos passa a ser usado pelos novos actores hegemónicos, enquanto os não hegemónicos continuam utilizando conjuntos antigos e pouco poderosos. E quando um determinado actor não é provido de condições para mobilizar as técnicas consideradas mais avançadas torna-se, por via disso, um actor menos importante.
Veja-se o caso da técnica da informação, esta alcança a totalidade de cada país, directa ou indirectamente. Cada lugar tem acesso ao acontecer dos outros. O sistema técnico dominante na actualidade apresenta uma característica distinta, é invasor. Não se contenta em ficar onde primeiro instala-se, busca espalhar-se, na produção e no território. Ainda que não consiga espalhar-se, a sua vocação é exactamente essa, que é igualmente fundamento da acção dos actores hegemónicos.
Sociedades Globalizadoras e Globalizadas
As sociedades que globalizam destacam-se pelo uso de recursos técnicos mais avançados em relação aos usados pelas sociedades globalizadas, e como resultado, os primeiros procuram influenciar os segundos, mas controlando o avanço dos segundos, de modo que estes (segundos) persistam dependentes dos primeiros.
Outro aspecto ao qual Santos faz menção liga-se ao processo expansionista da rede empresarial das sociedades que globalizam, esta que acaba ofuscando as empresas das sociedades globalizadas, pois procuram dominar, a todo custo, todo o mundo através de seus produtos.
As sociedades globalizadas consomem, por conta da globalização, a cultura das sociedades globalizantes, pois verifica-se a imposição dos hábitos e tradições das sociedades globalizadoras em relação aos das sociedades globalizadas, tornando-se, traduzindo-se, assim, num imperialismo cultural onde domina a cultura dos poderosos em detrimento da cultura local.
Bibliografia
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