Conteúdos
Conceito de Violência
O termo violência é muito polissémico. A complexidade da violência para Hayeck (2009) aparece na polissémica do seu conceito. Deve-se tomar cuidado ao expor um conceito sobre violência, pois ele pode ter vários sentidos, como: ataque físico, uso da força física ou até mesmo ameaça.
Violência é qualquer atitude ou acção que cause algum prejuízo físico ou moral a uma pessoa ou ser vivo. Violência também pode ser entendida como o ato que agride ou pretende agredir. Violência, quando uma atitude intencional, é sempre um tipo de ataque.
Qualquer acção intencional, perpetrada por indivíduo, grupo, instituição, classes ou nações dirigida a outrem, que cause prejuízos, danos físicos, sociais, psicológicos e (ou) espirituais.
Então, ao estudar os conceitos de violência é importante considerar a diferença entre conflito e agressão, pois os maus-tratos não são uma consequência inevitável de conflito, mas uma estratégia de resolução de problemas que traz danos aos envolvidos.
Definição de Violência doméstica
A violência doméstica é toda acção de violação dos direitos fundamentais do Homem, praticada entre os membros que habitam num ambiente familiar e pode acontecer entre pessoas com laços de sangue (pais e filhos), ou unidas de forma civil (marido e esposa ou genro e sogra). Os actos de violência doméstica podem ter impacto na saúde física e psíquica da vítima no momento da ocorrência, assim como ter reflexos na vida futura do indivíduo. Incluem no rol da violência doméstica, o abuso sexual de menores de idade e maus tratos aos idosos.
A violência doméstica tanto em crianças, adultos assim como em idosos inclui alguns subtipos:
- Violência física: bater, espancar com ou sem objecto, ameaçar com uma arma de fogo, tentativa de estrangular ou assassinar, trancar uma pessoa num compartimento ou impedir que uma pessoa saia, etc.
- Violência psicológica: controlar o comportamento, impor um comportamento específico, denegrir, isolar ou abalar o valor de uma pessoa, intimidar, ameaçar, chantagear, insultar, etc.
- Violência sexual: forçar alguém a ter relações sexuais, ser forçado a ter relações sexuais com outras pessoas, estuprar, impor práticas sexuais indesejadas ou tocar sem consentimento, forçar alguém a testemunhar actos de estupro, casamento infantil, etc.
Violência económica: controlar a renda de alguém ou impedir que alguém tenha acesso a recursos, recusar-se a compartilhar a renda ou aos meios necessários para satisfazer necessidades básicas, tais como alimentos, roupa, habitação, etc.
- Violência baseada no género: Violência que é direccionada contra um indivíduo com base no seu sexo biológico, identidade de género ou adesão percebida a normas socialmente definidas de masculinidade e feminilidade. Tal inclui abuso físico, sexual e psicológico, ameaças; coerção, privação arbitrária de liberdade e privação económica, quer ocorra na vida pública ou privada.
Em Moçambique a prática de violência doméstica é crime e é punível por Lei nº 29/2009. A Lei dá oportunidade ao Governo para assegurar a protecção das mulheres e das crianças contra a violência em casa e nas comunidades. A lei exige maiores sanções para os transgressores e confere ao Estado a obrigação de prestar assistência às vítimas (com serviços como o inquérito policial e tratamento médico entre outros).
A Lei n.º 29/2009 prevê vários tipos de violência doméstica, a saber: a violência física simples (artigo 13.º), a violência física grave (artigo 14.º), a violência psicológica (artigo 15.º), a violência moral (artigo 16.º), a cópula não consentida (artigo 17.º), a cópula com transmissão de doenças (artigo 18.º), a violênci patrimonial (artigo 19.º) e a violência social (artigo 20.º).
Importa salientar que tradicionalmente, a violência física, psíquica e sexual dos maridos sobre as mulheres foi sendo considerada justificada, fazendo tudo parte do poder de correcção doméstica do marido sobre a mulher e do pai sobre os filhos, que chegou a ter suporte na lei e na jurisprudência.
Principais vítimas de violência doméstica em Moçambique
Violência em crianças
De acordo com a Estatísticas de Violência Doméstica, 2014-2016 (14), entre 2014 a 2016, o número de crianças vítimas de violência doméstica de ambos sexos em cada 10000 crianças aumentou, passando de 4.7 para 4.9 em crianças de sexo masculino e de 7.4 a 8.5 em crianças do sexo feminino.
Violência em adultos
A mulher é a principal vítima de violência perpetrada pelos homens ocorrendo, sobretudo, na faixa etária dos 25 a 34 anos mas de modo geral em todas as idades e extractos sociais. Os homens são os principais perpetradores de violência contra a mulher, normalmente os parceiros íntimos.
Na maioria dos casos, as vítimas de violência não apresentam queixa nos órgãos de justiça e não aceitam a instauração do processo-crime contra os perpetradores deste mal social. Quando metem a queixa procuram somente a reposição da ordem no casamento. Em geral, a maioria das mulheres procuram a solução dos seus problemas ao nível comunitário, com recurso aos familiares, vizinhos, padrinhos de casamento e aos anciões.
Violência em idosos
Em 2016 foram reportados 338 casos de violência contra pessoas idosas, sendo cerca de 62% do sexo feminino. Por tipo de violência, destacaram-se a violência criminal com 252 casos dos quais
145 em idosos do sexo feminino e 107 do sexo masculino,.
As províncias de Zambézia, Inhambane e Maputo mostram maior numero de vítimas do sexo masculino enquanto em Inhambane, Manica e Zambézia mais casos de idosos do sexo feminino.
Causas da violência doméstica
Não existe uma explicação acabada sobre as causas da violência, no entanto, o ciúme e a suspeita de infidelidade conjugal, em parte, constituem grandes factores de risco para a ocorrência de comportamento de violência física contra a mulher nos diferentes meios de convivência. Segundo Nações Unidas, (2003:17), as origens da violência situam-se na estrutura social e no complexo conjunto de valores, tradições, costumes hábitos e crenças que estão intimamente ligados à desigualdade sexual, onde a vítima da violência é quase sempre a mulher e o agressor, quase sempre o homem, servindo-se das estruturas da sociedade de confirmação desta desigualdade.
Acredita-se que a violência contra a mulher seja resultado da crença historicamente fomentada em muitas culturas, de que o homem é superior e deve ser detentor de mais direitos que a mulher, nos diferentes meios de convivência social. Por outro lado, é censo comum que a violência contra a mulher resulta de um desequilíbrio de poder entre mulheres e homens, com base nas relações sociais desiguais, sustentadas por um sistema hierárquico a que se pode chamar de patriarcado.
Portanto, ainda não existe uma explicação única para as causas da violência contra a mulher. Contudo, algumas das causas que têm sido frequentemente apontadas no país, justificando a ocorrência de vários tipos de violência contra a mulher são:
Aspectos culturais (hábitos e crenças intimamente ligados a desigualdade sexual, crenças de que a mulher é inferior ao homem, obscurantismo e maneiras de vestir “indecentes”);
Ciúmes – ciúme como causa da violência contra a mulher, manifesta-se através do comportamento controlador do parceiro íntimo (suspeitas de infidelidade e tendências obsessiva de controlar a mulher pelo parceiro íntimo);
Antecedente de violência na família – manifesta-se quando os perpetradores cresceram em ambientes familiares em que a violência era praticada;
Dependência económica da mulher – vista na perspectiva de falta de recursos para a satisfação das necessidades básicas que degenera em conflitos;
Seropositividade: quando um dos cônjuges toma conhecimento da infecção do seu parceiro ou obrigar a parceira a manter relações sexuais sem o uso do preservativo;
Desigualdades nas relações de poder entre mulheres e homens, sendo estes últimos detentores de um maior poder, através de estruturas e sistemas sociais, culturais, económicas e políticas que historicamente lhes têm favorecido.
Impactos da violência doméstica na sociedade Moçambicana
Em crianças
Das mulheres que sofrem violência, mais de 50% têm filhos sob seus cuidados. Crianças e jovens não precisam ver a violência ser assistida por ela. Estudos mostram que viver com violência doméstica pode causar danos físicos e emocionais a crianças e jovens das seguintes maneiras:
- Ansiedade e depressão contínuas;
- Sofrimento emocional;
- Distúrbios alimentares e do sono;
- Baixa auto-estima
- Auto-mutilação;
- Seja agressivo com amigos e colegas de escola;
- Sentir culpa ou culpar a si mesmos pela violência;
- Tem problemas para formar relacionamentos positivos;
- Desenvolver fobias e insónia;
- Luta para ir à escola e trabalhar na escola;
- Usar comportamento de agressor ou se tornar um alvo de agressão;
- Dificuldade de concentração;
- Acho difícil resolver problemas;
- Ter menos empatia e cuidar dos outros.
As crianças e jovens precisam crescer em um ambiente seguro e acolhedor . Onde existe violência doméstica ou familiar, o lar não é seguro e as crianças têm medo do que pode acontecer com eles e com as pessoas que amam.
Em adultos
Os sobreviventes de violência doméstica podem enfrentar efeitos contínuos e desafiadores após sofrerem abuso físico, mental e emocional. Pode levar tempo para que um sobrevivente se adapte à vida em um ambiente seguro, especialmente se um agressor foi severamente violento e / ou cometeu as acções por um longo período de tempo.
Embora lidar com essa dor possa ser esmagador, o processo de cura pode ajudar os sobreviventes a desenvolver forças internas e diminuir o medo de segurança para si e suas famílias. No caminho da recuperação, os sobreviventes e aqueles que os apoiam devem entender que a cura leva tempo . Os efeitos desse trauma podem variar amplamente de pessoa para pessoa devido às respostas dos indivíduos ao estresse, idade e frequência e gravidade do abuso.
- Contaminação por doenças de transmissão sexual (alta incidência de ITS’s e infecção de HIV/SIDA nas comunidades);
- Influência negativa no rendimento na escola ou no local de trabalho e no desenvolvimento da criança;
- Desistência escolar por parte das raparigas que por vezes contraem doenças e gravidezes indesejadas;
- Redução de auto-estima;
- Estigmatização;
- Conflitos e desintegração familiar;
- Uso abusivo de álcool e droga;
- Constante estado de stress e medo;
- Agressão ou assassínio dos intervenientes (familiares, crianças, vizinhos); e
- Distúrbios comportamentais nas crianças, como consequência de violência dos pais.
Leia Também Sobre:
- Importância da Matemática aplicada para a Administração
- Bens: o que são? Seus tipos e suas funções
- Utilidade na Economia
- Técnicas que podem ser utilizadas pelo professor de geografia para dar uma boa aula
Referências bibliográficas
HAYECK, C. M. e RBHCS, São Leopoldo. Reflectindo sobre a violência. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais – ano 1, n. 1, Jul. 2009;
OSÓRIO, C.; ANDRADE, X.; TEMBA, E.; JOSE, A. & LEVI, B. Poder e Violência: Homicídio e Femicídio em Moçambique”, WLSA-Moçambique, Maputo, 2001;
MINISTÉRIO DA MULHER E DA ACÇÃO SOCIAL. Inquérito sobre violência contra a mulher 2004. Maputo. Moçambique, 2004;
ISABEL M. C. CASIMIRO, et al. Violência Baseada em género em Moçambique: O caso das províncias de Inhambane e Nampula. Maputo, 2007;
FÓRUM MULHER. A violência doméstica é uma violação dos direitos humanos das mulheres. Anteprojecto de lei contra a violência doméstica. Maputo, 2007;
Plano Nacional de Acção para Prevenção e Combate à Violência contra a Mulher- (2008-2012), S/D;
CHIPEMBE Cassiano Soda – Estatísticas de Violência Doméstica, 2014-2016, Editor Instituto Nacional de Estatística – Moçambique, 2017.