A descrição caracteriza-se pela presença de determinados índices e por determinadas construções linguísticas.
Conectores: e, de novo, em seguida, primeiro, depois, enfim, finalmente, em suma…, que têm uma função coesiva, coordenando temporalidade e o desenvolvimento dos vários momentos do texto.
O uso dos conectores depende estritamente da estratégia ilocutória do descritor (expor, explicar, argumentar) subjacente ao seu texto.
Circunstantes: em casa, numa zona, na cidade, no pátio…, que localizam o objecto descrito.
Verbos de estado e verbos de acção: ser, estar, parecer, correr (As águas corriam por entre a folhagem).
Imperfeito do indicativo: (mas também o presente e o futuro).
O imperfeito, pelo seu valor secante, permite traduzir a simultaneidade.
Decomposição do objecto descrito em subtemas: (A casa tem dois quartos. Cada quarto tem duas janelas. A janela maior…).
Figuras de estilo. Onde há descrição há, normalmente, o afluxo de comparações, de metáforas, de sinédoques, de metonímias…
Predicados qualificativos: (grandes salas, homens sabedores) e predicados funcionais (representados pelo conjunto de verbos e adjectivos não estáticos – correr depressa, saltar alto, virar devagar…).
Qualificação por meio do verbo ser e do verbo ter: o verbo ser predica a totalidade do objecto (“Joaninha era bela, talvez nem galante… mas era o tipo de gentileza…”); o verbo ter predica uma parte do objecto-ser (“Joaninha porém tinha os olhos verdes…”).
A descrição aparece em forma de texto (geralmente curto) ou em forma de sequência descritiva.
DO MAR À LATA
Longa é a vida da sardinha desde que sai do mar e cai no prato do consumidor.
O processo de fabrico começa pela preparação do peixe, ao qual é cortada a cabeça e a cauda, e retiradas as vísceras.
Depois de lavada, a sardinha é submergida numa solução de sal com a finalidade de lhe dar consistência e sabor. A operação de enlatar vem a seguir, feita à mão em virtude da fragilidade do animal.
Na fase seguinte, procede-se à eliminação do ar da lata antes de esta ser fechada.
O vácuo evita o aparecimento de tampas abauladas, a oxidação da lata e a deterioração do alimento.
Uma vez fechada hermeticamente (cravação), a embalagem é submetida a um tratamento térmico para assegurar a inactivação das bactérias eventualmente presentes.
O arrefecimento com água, operação seguinte, destina-se a evitar um sobreaquecimento que poderia alterar as características gustativas e nutritivas do peixe.
Seguem-se três a seis meses de maturação do produto para apurar o respectivo sabor. A sardinha está pronta a comer.
Público, 97.08.21
Neste texto descritivo, as orações são sequências de actos rigorosamente ordenados. Não se passa ao segundo ponto sem antes se ter passado pelo primeiro. A cronologia nestes textos (como na receita de cozinha) é essencial.
Há uma espécie de narrativização da descrição devido à presença de conectores como “depois de”, “a seguir”, “na fase seguinte”, “Uma vez”, “operação seguinte”.
Veja-se agora esta sequência descritiva:
Voltemos ao nosso retrato
Os olhos parados e não muito grandes, mas de uma luz e vileza imensa, denunciavam o talento, a mobilidade do espírito – talvez a reflexão… mas também a nobre singeleza de um carácter franco, incapaz de se ofender de leve mas impossível de esquecer uma injúria verdadeira.
A boca, pequena e desdenhosa, não indicava contudo soberba, e muito menos vaidade, mas sorria na consciência de uma superioridade inquestionável e não disputada.
O rosto, mais pálido que trigueiro, parecia comprido pela barba preta e longa que trazia ao uso do tempo. Também o cabelo era preto; a testa alta e desafogada.
Quando calado e sério, aquela fisionomia podia-se dizer dura; a mais pequena animação, o mais leve sorriso a fazia alegre e prazenteira, porque a mobilidade e a gravidade eram os dois pólos desse carácter pouco vulgar e dificilmente bem entendido.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra
Por esta sequência descritiva se comprova que toda a personagem é o resultado de um certo número de “efeitos descritivos” disseminados ao longo da obra.
Aqui o “retrato físico”, ali o “retrato moral”, mais além uma descrição do retrato psicológico”.
O retrato é sempre o lugar onde se fixa e se modela na memória a “unidade da personagem”.
Bibliografia
FIGUEIREDO, E. B.; FIGUEIREDO, O. M. Itinerário Gramatical – 14 Páginas: A Gramática na Língua e a Língua no Discurso. Porto Editora. 2001, pp. 133-135.