Imagem e Miragem da Lusofonia
O português que tudo tem em nada
Os lusíadas, conto IV
A lusofonia não é algum reino, e tão pouco um território determinado simplesmente pelo uso e compreensão da língua portuguesa com a genealogia que a distingue entre vários outros idiomas, que directa ou indirectamente transportam o seu memorial cultural. Decerto que, esta senhora, a lusofonia, carrega consigo ainda vários mistérios e encantos, além dos de ordem científica, tal qual fonético, fonológico ou gramatical.
Ou mesmo então, os mistérios os quais o atribuímos de modo que se tenha transformado em objecto de curiosidade como língua e cultura no passado. Todavia, nós, os portugueses, somos impedidos de fazer de conta que o eco deste conceito de aparências tão inocente, levem consigo as mesmas imagens, o mesmo tratamento de fantasmas, os mesmos subentendimentos ou mal-entendidos nos mesmos espaços, sem uma dose de perplexidade, que não seja a ideal esfera lusófona.
Recentemente, foi apresentado em Paris um documentário sobre o mundo e o estado da lusofonia, na presença de não só autores, mas de um público proveniente de vários países falantes da língua portuguesa, em particular o Brasil. Boa parte daquele público depois da apresentação do documentário ficou com a impressão de que o nosso tempo de portugueses ficara naqueles anos longínquos, em que fabulosos cartazes, a luz da guerra africana, convidam-nos a degustar das nossas belas praias de Angola e Moçambique.
O objectivo do documentário era claro para nós, todavia inaceitável para os outros. Não gostaria que a presença da nossa língua no espaço lusófono tivesse essa interpretação, porém, isso se deve a importância quer política ou diplomática bem como cultural da nossa nação. Pelo que, o Brasil é actualmente a nação lusófona por excelência na perspectiva linguística e ao mesmo tempo, pelo seu dinâmico e complexo universo cultural, não obstante o seu peso económico e político, assim, esta nação irmã se vê hoje o centro da Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa. Dado que a sua política cultural em relação a Moçambique e Angola há muito que se demonstra potência, e nenhum português deveria sentir-se ofuscado a isso.
Daí que é razoável afirmar que Portugal há muito que não é referência importante nestes aspectos, pois o Brasil está voltado para o seu espaço natural, a América do Sul, e é lá que o seu estatuto lusófono lhe confere um impacto e originalidade de que poucos espaços culturais de vocação mundial podem orgulhar-se. Entretanto, a lusofonia assume hoje a categoria de mapa-cor-de-rosa, onde todos esses reinos podem ser inscritos, invisíveis e até ridículos para quem de fora nos enxerga, mas brilhando para nós como uma chama acesa dentro da alma.
Porto, 6 de Dezembro de 1996.