Resumindo de maneira redutora (e talvez, até criminosa) poder-se-ia dizer que Um Rio chamado Tempo, Uma Casa chamada Terra é uma espécie de resultado alquímico da mistura de Quincas Berro d’Água com Cem Anos de Solidão. E justifico essa comparação. Nesse romance de 2002 (sétimo publicado por Mia) temos um personagens que tendo sido diagnosticado como morto, se recusa a seguir as ordens naturais da morte, desafiando aos outros personagens da história e aos próprios leitores a entenderem um estranho estado de intermitência e fronteira.
A história nos é contada pela ótica do personagem Mariano que após longa ausência de sua terra, se vê obrigado, pela (a)morte de seu avô e homônimo a regressar a “Luar do Chão”. O regresso a casa e ao seio familiar é um dos temas centrais desse livro que se constitui principalmente sobre os meandros das relações parentais.
Cada capítulo do Romance traz uma citação; hora epigrafada por alguma figura factual, como por exemplo o poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto ou a poetisa portuguesa Sofia de Mello Breyner, hora apresentando falas dos próprios personagens do Romance.
A medida que a leitura vai avançado as citações vão se iluminando e o leitor vai conhecendo e entendendo melhor as citações, o personagem que a proferiu, e o contexto geral da narrativa. Em outras palavras, o que quero dizer é que num movimento duplo, entendemos os significados profundos da citações a partir do conhecimento de suas autorias, do mesmo modo que entendemos melhor a configuração psicológica das personagens sobretudo, a partir dessas epigrafes.
Os temas centrais da obra são Partida, Regresso, Família, Envelhecimento e Morte. Não sendo difícil encontrar ainda, questões ligadas a ideia da sobrevivência pela palavra, da importância da literatura e do registro da história como ferramente e arma contra o esquecimento.
COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. 7. ed. Lisboa: Caminho, 2003