Para Melo (2008, p.19), se o grosso da riqueza acumulada em Moçambique ia para Goa, é porque era através de Goa que a Coroa portuguesa administrava Moçambique. O capitão-general de Moçambique que, às vezes, servia como Governador, não se subordinava directamente ao Rei português, mas sim através do Vice-Rei português em Goa.
O mesmo autor considera que vínculo entre Moçambique e Índia levou a que, a partir do século XVII, começassem a chegar a Moçambique mercadores indianos tornando-se este país na verdadeira metrópole mercantil de Moçambique. No diz respeito à cumulação de capital, quando os primeiros mercadores indianos começaram a chegar à ilha de Moçambique.
Segundo Pires (2003, p.17), embora a presença de migrantes indianos em Moçambique tivesse sido de certa forma constante até ao último quartel do século XIX, é só a partir desta altura que se expande e se torna definitiva. A economia colonial começa então a ganhar um maior dinamismo atraindo migrantes indianos, tanto hindus como muçulmanos. Estes veem na colónia portuguesa novas oportunidades de negócio, começando progressivamente a estabelecer-se de forma regular e permanente ao longo do território.
A presença das comunidades indianas na África Oriental em contexto de ocupação colonial (séc. XIX-XX) está intimamente ligada à atividade comercial. Em Moçambique durante a presença colonial portuguesa a importância das comunidades indianas neste tipo de atividades refletia-se:
“…quer no mundo rural, assegurando a monetarização dos produtos da agricultura africana, essenciais à manutenção da economia de exportação colonial, quer na dinamização de um segmento importante do comércio de retalho em contexto urbano, direcionado a um espectro amplo e heterogéneo de consumidores que estruturavam o mercado interno no tempo colonial…” (Leite e Khouri; 2011, p.8)
Segundo Simões (1942, p. 67-68), em 1686 foi formada a companhia dos Mazanes pelo vice-rei de Portugal em Goa, da qual faziam parte mercadores indianos ricos, armadores. Esta companhia obteve monopólio do comércio de artigo de exportação como marfim, ambâr e carcaça de tartaruga Moçambicano e privilégios comerciais em fretes, ajuda oficial Portuguesa, ou seja, a protecção dos jesuítas e do vice-rei português na índia e apoio logístico.
Na visão do mesmo autor a formação dessa companhia beneficiava a nobreza Portuguesa na Índia, e não a estabelecida em Portugal, o que ilustra bem as contradições que haviam entre os dirigentes portugueses. Terão sido essas contradições que estiveram na origem da separação de Moçambique de Goa em 1752. Quase todo o tipo de comércio a retalho e a grosso era feito pelos indianos a partir do Interland da ilha de Moçambique, Mussuril e nas duas Cabaceiras. Os indianos de menor posse, via de regra, se estabeleciam como relojoeiros, mecânicos, etc.
Conteúdos
Locais de fixação dos indianos em Moçambique
Para Macagna (2006), as populações indianas muçulmanas e muçulmanas ismaelitas instalam-se inicialmente sobretudo no norte da colónia em Inhambane e Sofala. Segundo Leite e Khouri nas populações ismaelitas apenas algumas famílias provinham de uma tradição comercial.
Originárias na sua maioria do meio rural indiano, sobretudo do Gujarate, em muitos casos eram estranhas ao mundo do comércio e à sua cultura, no entanto, uma vez em Moçambique os ismailis iriam dedicar-se à atividade mercantil por ser este o único nicho profissional que lhes era acessível na colónia.
Por outro lado, as populações indianas hindus fixam-se preponderantemente no Sul, maioritariamente em Lourenço Marques.
As Modalidades de Comércios
Segundo Newitt (1997, p. 171), o comércio de marfim, envolvendo os makua e os mercadores estrangeiros, fazia-se de duas formas que por vezes se complementavam:
- Tráfico regular com os makua dos reinos vizinhos e, por vezes, com mercadores Yao, do Lago Niassa, que levavam marfim, tabaco e azagaias para trocar nos armazéns dos portugueses, por tecidos e missangas. Para estas trocas os portugueses usavam tecidos fornecidos a crédito pelos comerciantes indianos;
- Envio, ao sertão, dos patamares (mercadores africanos). Este sistema era, em geral usado pelos mercadores indianos. Os chamados patamares, que funcionavam como intermediários no comércio entre a costa e o interior. Estes comerciavam com os chefes os tecidos e missangas em troca de marfim.
Os baneanes entregavam as suas mercadorias a crédito cobrando juros de dez por centro, quem não conseguisse saldar as suas dívidas perdia tudo a favor dos baneanes. Por isso, muitos portugueses endividados acabaram por entregar todos os seus pertences aos baneanes, que progressivamente, acabaram por monopolizar toda a actividade comercial. Como consequência, os baneanes apropriaram – gradualmente de ̏quase todos as casa, palmares e escravaturas e mais bens destes mercadores̋.
As principais zonas de comércio de marfim
Durante o seculo XVII, marfim era a mercadoria mais procurada no mundo asiático e europeu e asiático, pois era utlizado para a coinfecção de bolas e bilhares, bijutarias e artigos necessários para as cerimónias núpcias hindus. As principais zonas de comércio de marfim em Moçambique foram:
- Ilha de Moçambique;
- Mossoril;
- Chire;
- Cabeceiras: Grandes e Pequenas;
- Macuana, constituída por três territórios, Uticulo, Cambira e Uocela, com limites pouco precisos;
- O lago de Niassa;
- Delagoa (Baía de Maputo).
Na ilha de Moçambique eram os mercadores Yao os grandes fornecedores de marfim na ilha de Moçambique. E a maior parte de do marfim era vendido na ilha era canalizado para a índia, em barcos que viajavam ao ritmo das monções, com destino aos portos da costa do Malabar.
Principais intervenientes no comércio de marfim
Os principais intervenientes no comércio de marfim foram os comerciantes baneanes, comerciantes e governadores portugueses, chefes phiri-lundu, chefes macuas e chefes nhanca.
As Disputas Entre os Mercadores Portugueses e Indianos
O comércio do marfim, especialmente a primeira modalidade, levou os mercadores portugueses, sem capital e dependentes do fornecimento de tecidos nas lojas dos indianos, (superiores aos portugueses tanto em termos de capital- dinheiro como na “arte” de fazer negócio), a endividarem-se progressivamente e, por via disso os indianos apropriaram – se gradualmente das propriedades dos portugueses que tinham sido colocadas sob hipoteca.
Instalou-se, então um ambiente de rivalidade entre os dois grupos de mercadores, com os portugueses a pretenderam a expulsão dos concorrentes indianos. Os termos pejorativos – Baneanes e outros – com que os portugueses passaram a referir-se aos indianos atestam bem essa rivalidade.
Alguns portugueses chegaram a propor soluções radicais:
‘’…se o meu parecer fosse pedido nesta ocasião dissera que o melhor e mais seguro remédio e lança-los fora e extingui-los totalmente’’… (Ibid., p.29)
Os mercadores indianos não se limitaram a controlar o rico comercio das chamadas Makuana, hinterland da Ilha de Moçambique: até alguns governadores portugueses da ilha caíram sob sua alçada, como por exemplo, José de Vascoceles de Almeida:
‘’…chegou José Vasconcelos de almeida, entraram logo os Baneanes a despedir de mão larga, deram ouro. patacas e receberam o domínio e a posse de toda a casa daquele governador, onde entravam com preferência a todas as mais pessoas até ao mais oculto gabinete, cuja a entrada lhes era tao franca a toda hora’’… (NEWIT,1997, p.43).
Na óptica de Souto (1996, p. 6), aliança entre os indianos e os governadores portugueses permitia aos mercadores do Gujarate defenderem-se melhor das investidas dos mercadores portugueses. Mas nem sempre essa defesa era possível: a pressão dos pequenos mercadores portugueses era por vezes tão forte que parecia um governador português. eram tanto que foram promulgadas leis que proibiam aos mercadores indianos a deslocação para fora da ilha de Moçambique ou pura e simplesmente a venda de mercadorias.
A disputa entre os mercadores da Índia e de Portugal nada tinha a ver com uma animosidade étnica ou rácica. A luta traduzida, antes, uma verdade que è inerente à própria natureza do capital mercantil: numa determinada área de actuação o capital mercantil de ser hegemónico. a luta, portanto, era pela hegemonia e era essa base material que, com frequência, assumia a face da luta étnica ou rácica.
De facto, os indianos conseguiram quase sempre “aliar-se” aos governantes portugueses para se defender dos ataques dos mercadores portugueses. Embora em algumas ocasiões aparecessem governantes interessados em defender os interesses dos portugueses, em geral, os indianos.
A separação de Moçambique de Goa e sua importância
Na perspectiva de Ferreira (1962, p. 11), em 19 de abril de 1752, por decreto régio do rei D. José I, Goa se separa se de Moçambique, sendo nomeado governador e capitão geral de Moçambique, Rios de Sena e Sofala, D. Francisco de Melo e Castro. Com esta separação, a coroa Portuguesa pretendia que Moçambique se subordinasse directamente a Lisboa e não, como era antes, pois pretendia obter o controlo da actividade comercial de Moçambique.
Sobre a separação, um documento assinado pelo monacra português D. José I e datado 19 de abril de 1752, dizia:
̋por me ser presente a decadência do governo de Moçambique, e que será mais conveniente separá-lo de Goa para o seu restabelecimento (…) ̏ (FERREIRA,1962, p.12)
Porem, apesar desta separação, o intercâmbio entre Moçambique e India manteve- se. Prova disso é a influência que os baneanes continuaram a exercer ao longo do tempo na actividade mercantil. Assim, em 1753, o governador – Geral foi procurar acabar com a ingerência de Goa na administração financeira e comercial de Moçambique e, em 1758, os baneanes são proibidos de possuir qualquer propriedade de Ilha de Moçambique.
As Guerras do Marfim
As disputas pelo controlo do comércio do marfim não se deram apenas entre os mercadores estrangeiros. Também ocorreram entre os reinos africanos envolvidos nesse comércio e entre esses reinos e os portugueses. Se até finais do século XVII, altura em que declinou a rota Chire Mussoril, os mercadores phiri dominavam o comércio do marfim, a partir desse tempo os reinos Makua e os mercadores Yao emergiram como novos parceiros dos portugueses e indianos.
A Makuana compreendia três territórios localizados entre Memba e Angoxe: Uticolo, Cambira e Uocela, que faziam parte de pequenos reinos chefiados por Morimuno, Mauruça, Mocutuamuno, Movamuno e Inhamacoma (um aliado dos portugueses). Desses reinos os mais poderosos eram os de Mauruça e Morimuno.
O Comércio de Marfim na Baía de Maputo
A Baía de Maputo (antes Lourenço Marques) encontra-se, de acordo com documentos disponíveis, envolvida no comércio de marfim desde o século XVI, tendo conhecido duas fases:
- 1ª Fase – 1550 /1759: comércio irregular e de fraco volume envolvendo tecidos indianos, marfim, pontas de rinoceronte e dentes de cavalo-marinho. Nesta altura estavam envolvidos do lado europeu os portugueses, os ingleses e holandeses e do lado dos africanos as ilhas de Inhaca e Xefina e os reinos Tembe e Matola, que, desse modo, se tornaram os reinos mais prósperos da região;
- 2ª Fase – 1750/1800: chegada de mais mercadores ingleses e holandeses, incrementando o comércio do marfim com a Europa e a Índia. Nesta fase, o comércio era feito de barco e de canoa indo pelos rios Maputo e Incomáti, para fazer comércio com os reinos do interior. Os reinos interiores, Maputo, Cossa e Nwamba, tornam-se, então, mais prósperos do que os da costa.
Bibliografia
MELO, António. A diáspora ismaelita – preparação e “partida”, vivências da migração dos anos 70.2008
MACAGNO, Lorenzo. Outros Muçulmanos: Islão e narrativas coloniais. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais,2006.
NEWITT, Malny. História de Moçambique, Portugal, Clube de Editores, 1997.
PIRES, Rui Pena. (2003). Migrações e Integração, Teoria e aplicações à sociedade portuguesa. 1ª edição. Oeiras: Celta.
PEREZ, Liscia Ariane. O comércio de marfim em Moçambique no século XV. Brasil.
SOUTO, Amélia De Neves. Guia Bibliográfica Para Estudante de História de Moçambique (200/300-1930). 1ª Edição, Maputo, 1996, 347 p.
SERRA, Carlos. Como a penetração estrangeira transformou o modo de produção dos camponeses moçambicanos. Maputo, Núcleo Editorial da Universidade Eduardo Mondlane, 1986.
SIMÕES, Alberto, M. O Oriente Africano Português. Lourenço Marques, Minerva Central, 1942, 545p.
RITA, FERREIRA, A. Bibliografia Etnográfica de Moçambique; das origens à 1954