Conteúdos
Contextualização
Por formas de tratamento designamos tanto os termos que se referem ao par falante/ouvinte, como os vocativos usados para chamar a atenção do destinatário. As formas de tratamento abrangem tanto os chamados pronomes pessoais de tratamento quanto as formas nominais, isto é, o uso de nomes próprios, títulos, apelidos e outras formas nominais que identifiquem a pessoa referida.
Quando duas ou mais pessoas conversam, uma pode dirigir-se à outra empregando um nome ou um pronome, que cumprirão a função de apelar ou chamar a atenção do interlocutor. O tratamento é, pois, um sistema de significação que contempla diversas modalidades de dirigir-se a uma pessoa. Trata-se de um código social que, quando se transgride, pode causar prejuízo no relacionamento entre os interlocutores.
Entendemos por formas de tratamento, palavras ou sintagmas que o usuário da língua emprega para dirigir-se e/ou referir à outra pessoa. Estabelecemos quatro níveis para essas formas de tratamento, a saber:
- Formas pronominalizadas, isto é, palavras e expressões que equivalem a verdadeiros pronomes de tratamento, como as formas você, o senhor, a senhora.
- Formas nominais, constituídas por nomes próprios, nomes de parentesco, nomes de funções (como professor, doutor, etc.).
- Formas vocativas, isto é, palavras desligadas da estrutura argumental do enunciado e usadas para designar ou chamar a pessoa com quem se fala
- Outras formas referenciais, isto é, palavras usadas como referência à pessoa de quem se fala.
Formas de tratamento coletivas
Nesta secção, analisamos as FT empregues pelos participantes no fórum quando se dirigem a mais do que um alocutário.
Todos
Impostas pela necessidade de se dirigir a todos os membros do fórum, a FT coletiva todos
e os equivalentes nas outras línguas românicas têm o papel de criar coesão do grupo. Sendo
uma FT muito abrangente, tem o objetivo de incluir o maior número possível de alocutários,
estabelecendo uma relação neutral eu – vocês, apagando quaisquer diferenças que possam
existir entre os diversos indivíduos aos quais se dirige o locutor.
FT que expressam as relações profissionais
Outra FT coletiva utilizada no fórum é colegas, que salienta a relação de igualdade entre os participantes na interação. Empregue tanto pelos formandos quando se dirigem a todos os membros do grupo ou pelos formadores, esta FT cria um ambiente colaborativo de trabalho.
FT que expressam afetividade / proximidade
Algumas de FT coletivas, como amigos ou ragazzi, expressam relações mais próximas entre os participantes no fórum. As FT, como ragazzi ou pessoal, indicam a preferência por um estilo de comunicação mais informal, usado normalmente na internet.
Formas de tratamento neutras
Aparecem no fórum FT neutras, cuja função não é codificar na linguagem as características socioprofissionais do locutor ou a natureza da relação locutor entre e interlocutor, mas sim estabelecer contacto.
Formas de tratamento individuais
As FT individuais mostram como se relacionam um com o outro os participantes no fórum. Na dinâmica de um fórum, as interações são complexas. Os participantes podem redigir mensagens para toda a comunidade, mas há também a possibilidade de responder a uma mensagem de um dos interlocutores, ou a uma parte desta mensagem, usando o sistema
de citação.
Principais formas de tratamento em Português europeu contemporâneo
Desde sempre os membros duma sociedade minimamente civilizada dirigiram-se uns aos outros. Os diferentes níveis de poder (político, económico, religioso, social etc.) conferiam aos seus possuidores diferentes estatutos, diferentes formas de tratamento foram oficializadas no longo de tempo, as quais devem ser respeitadas. Algumas das formas de tratamento desapareceram ou as suas utilizações reduziram-se e limitaram-se a certas camadas sociais ou regiões, como é o caso de vós, vossa senhoria e vossa excelência. Outras recuperaram usos, ou ocorrem com maior frequência, como é o caso de você e de senhor.
Tu
Tu é a forma de tratamento de proximidade/intimidade, embora na Idade Media fosse o tratamento dirigido ao rei. Tu sempre foi uma forma de tratamento usual entre “iguais” e ainda hoje o tratamento na segunda pessoa do singular reserva-se para relações de intimidade espontânea. Não é aceitável em situações comunicativas formais ou cujos interlocutores não tenham uma relação próxima, embora hoje em dia se empregue não só entre próximos, mas também entre desconhecidos e entre filhos e pais
Utilizando a segunda pessoa do singular, há inúmeras e variadíssimas formas de tratamento, de acordo com a situação e o tipo de relação.
Vós
No início vós foi entendido como o plural de tu e depois foi a forma de cortesia dirigida ao rei antes de ser tratado por vossa mercê. Cunha e Cintra pensaram que, graças à expansão do emprego de vossa mercê, vossa senhoria e vossa excelência, a uso de vós como pronome da 2ª pessoa de singular diminuiu.
Os dois linguistas também registaram o desaparecimento de vós da linguagem corrente do Brasil e Portugal. Mas “ em discursos enfáticos alguns oradores ainda se servem da 2ª pessoa do plural para se dirigirem cerimoniosamente a um auditório qualificado.”
Vós foi substituído por vocês, forma pronominal usada com a terceira pessoa do plural e atualmente a forma como nos dirigimos a um interlocutor plural. No entanto, isto não é um fenómeno recente. .
Você
A forma reduzida de vossa mercê, vem do Castelhano e foi o primeiro tratamento nominal dirigido ao rei, depois de “vós” e antes de “vossa alteza”. Depois foi utilizada para os duques, infantes e burgueses. No século XVI era bastante vulgar entre pessoas menos importantes na hierarquia e no século XVIII já dirigido a gente de estatuto social menos elevado, mas ainda com algum prestígio. Nos séculos seguintes a vossa mercê chegou a ser considerado tratamento insultuoso.
Senhor/senhora
A forma de tratamento senhor tem origem do latim e significa “homem mais velho”, mas entrou no Português através do Francês. Já aparece na Idade média, dirigida ao rei e aos membros da família real. Hoje em dia utiliza-se frequentemente entre conhecidos e desconhecidos e faz par com você. O uso de o senhor/ a senhora surge quando o locutor se dirige a alguém que não conhece ou conhece mal ou com quem tem uma relação respeitosa (alguém mais velho, hierarquicamente superior etc.). É uma forma ainda hoje considerada ser de cortesia, mais delicada ou respeitosa.
O/a senhor/a muitas vezes antecedida do determinante possessivo (meu (s), minha (s)) e vocativo (meu (s) senhor (es)/ minha(s) senhora(s)). Minha senhora no vocativo é muito mais frequente no Português atual que o meu senhor, porque as formas de tratamento antecedidas de possessivos expressam cortesia mais elevada e as senhoras são alvos prioritários de manifestações corteses.
As formas seu e sua ocorrem em Português europeu contemporâneo, quer como determinante possessivo, quer como forma reduzida de senhor /a no nível oral e popular.
Vossa Senhoria e Vossa Excelência
Apareceram na língua portuguesa nos meados de século XV, como tratamentos dirigidos ao rei. O tratamento de vossa excelência é dirigida para pessoas hierarquicamente superiores em relação a vossa senhoria.
Atualmente os seus usos são muito reduzidos. Vossa excelência ainda é utilizada na oralidade em determinadas situações formais e o seu uso é muito comum no nível escrito com a abreviatura V.Exª. Vossa senhoria é muito menos utilizada, mas podemos encontrar na forma de abreviatura v.sria em documentos escritos. Estas fórmulas são dirigidas a alguém que ocupa um lugar superior em relação ao locutor e ao qual se expressa consideração e respeito.
Vossa Senhoria e Vossa Excelência
Apareceram na língua portuguesa nos meados de século XV, como tratamentos dirigidos ao rei. O tratamento de vossa excelência é dirigida para pessoas hierarquicamente superiores em relação a vossa senhoria. Atualmente os seus usos são muito reduzidos. Vossa excelência ainda é utilizada na oralidade em determinadas situações formais e o seu uso é muito comum no nível escrito com a abreviatura V.Exª. Vossa senhoria é muito menos utilizada, mas podemos encontrar na forma de abreviatura v.sria em documentos escritos.
Ensino das Formas de Tratamento
Importância da Competência Comunicativa e da componente pragmática nas aulas de (P)LE
O conceito de competência comunicativa juntamente com o conceito do plurilinguismo, são dois dos fundamentos teóricos do Quadro Europeu Comum de Referencia para as Línguas (QECRL). Segundo o Quadro, a competência comunicativa contém três componentes: a linguística, a sociolinguística e a pragmática..
As competências sociolinguísticas, incluindo os marcadores linguísticos de relações sociais, as regras de polidez, as expressões de sabedoria popular, as diferenças de registo e os dialetos e sotaques também são essenciais, sendo que um estudante não pode prescindir de informações sobre a variação linguística de acordo com as classes sociais, os grupos étnicos, o sexo e faixa etária dos falantes. As formas de tratamento fazem parte dos marcadores linguísticos de relações sociais, junto com as formas de saudação, as convenções e também com as exclamações.
A categoria de competências sociolinguísticas também inclui o uso adequado das expressões de delicadeza e a falta de educação, ou infrações de regras de delicadeza e todos deles fazem parte de pragmática.
Hoje em dia, com os efeitos de globalização, a comunicação é mundial, por isso, o ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras e dentro disso, a pragmática têm um papel vital.
Abordagem pedagógica das formas de tratamento
Como vimos, as formas de tratamento fazem parte dos marcadores linguísticos de relações sociais, juntamente com as formas de saudação, as convenções e também com as exclamações, dentro das competências sociolinguísticas, e são inseparáveis das expressões de delicadeza, o que faz parte a cortesia verbal. Também estão estreitamente relacionadas com a Competência Comunicativa, sendo que, tal como a cortesia verbal, apoiam e fazem parte das normas que regulam a interação linguística. Podemos considerar assim que a abordagem pedagógica das formas de tratamento deve fazer parte desde a iniciação do ensino – aprendizagem do (P) LE.
Também não ajuda aos professores do PLE o facto de a maioria dos manuais do PLE no nível iniciação praticamente não se trata e não explica implicitamente as diferentes formas de tratamento. Simplesmente dizem que há tratamentos informais como o tu e os tratamentos formais de você e o senhor/a senhora.
Bibliografia
BACHMAN L.F. & PALMER D. (1996), Language testing in practice: designing and developing useful language tests, Oxford, Oxford University Press
BROWN, P. & LEVINSON, S. C., (1987), Politeness – Some Universals in Language Usage, Cambridge, Cambridge University Press
BROWN, R. & GILMAN A. (1960), “The pronouns of power and solidarity”,
CARREIRA, M. H., (1995), Modalisation Linguistique en Situation d’Interlocution. Proxémique verbale et modalités en portugais (Thèse de Doctorat d‟État en Linguistique), Paris, Université de Paris IV- Sorbonne
CINTRA, L. F. L. (1986), Sobre «formas de tratamento» na língua portuguesa, 2ª edição, Lisboa, Livros Horizonte.