A relação entre Direito e Moral deve ser vista em duas dimensões;
1- Separação Direito e Moral
2- Interdependência entre Direito e Moral
Separação Direito e Moral
Esta separação pode ser feita obedecendo a 4 critérios, nomeadamente:
Conteúdos
Critério teleológico
Segundo este critério enquanto a moral interessa-se pela relação plena do homem – fim pessoal, o Direito – visa a realização da Justiça para assegurar a paz social necessária à convivência em liberdade.
Critério do objecto
Por este critério a moral incide sobre a interioridade (motivação dos actos/ intenções do foro intimo); ocupa-se com o que se processa no plano do pensamento e da consciência, que são as acções humanas internas. Diferentemente do Direito que atende ao que externamente se manifesta; acção humana depois de exteriorizada.
Critica: este critério desvaloriza a importância que o direito atribui ao elemento intenção das acções humanas. Porque disciplina acções livres, o Direito não dispensa a apreciação de factores internos como culpa ou dolo, isto é não dispensa os motivos da actuação. Por outro lado, este critério também não atende ao relevo que a moral confere ao lado externo: a moral exige a actuação correctamente manifestada.
Critério da Imperatividade
Enquanto a moral tem como característica a Unilateralidade, no sentido de que como visa a perfeição pessoal, limita-se a impor deveres, isto é perante um sujeito moralmente obrigado, não existe uma outra pessoa a exigir o cumprimento dos seus deveres. Pelo contrário, o Direito caracteriza-se pela bilateral idade na medida em que, como visa regular as relações sociais segundo justiça, impõe deveres e reconhece direitos correlativos, isto é, quem reencontra juridicamente obrigado face a ele existe outra pessoa que lhe pode exigir o cumprimento desses deveres.
Critica: nem sempre é assim, pois existem normas que não são susceptíveis de sanção (direitos que carecem de coercibilidade) ex: obrigações naturais, o seu cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça, conforme dispõe os artigos 402 e 403 do Código Civil.
Critério do motivo da acção
Por este critério a moral é autónoma no sentido de que os preceitos morais têm a sua fonte na consciência de quem os deve cumprir (da pessoa que fixa a norma moral), que constitui também a instância que decide sobre o seu cumprimento ou incumprimento(sanção), isto é, o autor da norma moral é a pessoa que lhe deve obedecer. Diferentemente, o Direito é heterónimo, no sentido de que a norma moral fruto da vontade de um sujeito diferente. Existe sujeição a um querer alheio.
Referidos os principais critérios, conclui-se que nenhum fixa de modo certo e acabado os limites que sejam do Direito e da Moral. E não raro, concordam os valores morais e os jurídicos.
Interdependência entre Direito e Moral
Existem normas jurídicas que têm na moral o seu fundamento. Exemplos: artigo 282 do CC que fixa a proibição de negócios usurários; artigo 35da CRM consagra o princípio da igualdade).
Neste sentido, coloca-se a questão de saber se será legítimo legalizar soluções morais? Sim, desde que as normas morais assumam relevância social e não natureza intra-subjectiva.
Há normas da Moral que o Direito não recebe nem impõe. Por exemplo, dar esmola aos pobres, visitar os doentes e os presos, ajudar os cegos a atravessar a rua, a infidelidade durante o namoro, etc. Aqui temos claramente uma relação de indiferença.
Há normas de direito que não revestem qualquer significado moral. Exemplo, as regras do Código de Estrada que mandam circular pela direita ou pela esquerda; as regras sobre prazos processuais, normas que regulam a estrutura orgânica de um ministério, etc. Aqui também temos uma relação de indiferença.
Há normas de direito que coincide com normas importantes da moral, como por exemplo, as normas do código de estrada que mandam dar prioridade as ambulâncias, as normas do Código Penal que consagra o direito a legítima defesa, a norma do Código Civil que considera ilegítimo o exercício de qualquer direito que seja contrário aos bons costumes. Ver artigos 2034, 281, 2086, as normas que conferem aos tribunais o poder, contra regra geral de que as audiências são públicas, decidirem pelo julgamento a porta fechada de modo a salvaguardar a dignidade das pessoas e da moral pública. As normas que proíbem o incesto, proibição de roubar, matar, a cobiçar a mulher do vizinho. Aqui, temos uma relação de coincidência.
Há normas jurídicas que remetem para determinados conceitos que provém da moral ou só com ajuda desta podem ser definidos. Exemplo a nível militar, falta de exigências da honra e do dever militar. Aqui, igualmente, temos uma relação de coincidência.
Há normas jurídicas que violam as normas de certos sistemas morais, como o da moral crista, quando certos ordenamentos jurídicos permitem abortos, a permissão do nudismo nas praias, a legalização das uniões de facto, a legalização de casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, eutanásia, etc. Estamos claramente perante uma relação de conflito.
Como se pode ver, na verdade, Direito e Moral são sistemas normativos distintos que ora coincide, ora se afastam, ora se ignoram e que por vezes entram abertamente em conflito.
Contudo, qualquer cidadão pode individualmente adoptar uma moral diferente daquela que inspira o direito do seu país, mas não pode desobedecer a lei alegando o carácter imoral da norma jurídica – vide nº 2 do artigo 8 do Código Civil.
Recepção do Moral pelo Direito: casos em que as próprias normas jurídicas remetem expressamente para a moral, isto é as normas morais passam a valer como Direito.
EX: O art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem que a CRM acolhe, remete para as justas exigências da moral”.
Também no Direito Civil art. 280 CC “ negócios jurídicos cujo objecto ou fim seja ofensivo aos bons costumes”, apelando à moral social dominante. Ver artigos 281, 1083 do CC.
Teorias dos Círculos e o “Mínimo Ético”
Determinar a relação entre Direito e Moral nunca foi pacífico entre os trata distas ou cultores e filósofos que se debruçam sobre esta matéria. Várias teorias são avançadas e Paulo Nader, no seu livro de Introdução ao Estudo do Direito, fala das seguintes:
1- A teoria dos círculos concêntricos – Jeremy Bentham (1748-1832), jurisconsulto e filósofo inglês, concebeu a relação entre o Direito e a Moral, recorrendo à figura geométrica dos círculos.
A ordem jurídica estaria incluída totalmente no campo da Moral. Os dois círculos seriam concêntricos, com o maior pertencendo à Moral. Desta teoria, infere-se:
a) O campo da Moral é mais amplo do que o do Direito;
b) O Direito se subordina à Moral. As correntes tomistas e neotomistas, que condicionam a validade das leis à sua adaptação aos valores morais, seguem esta linha de pensamento.
2- A teoria dos círculos secantes – Para DuPasquier, a representação geométrica da relação entre os dois sistemas não seria a dos círculos concêntricos, mas a dos círculos secantes. Assim, Direito e Moral possuiriam uma faixa de competência comum e, ao mesmo tempo, uma área particular independente.
De fato, há um grande número de questões sociais que se incluem, ao mesmo tempo, nos dois sectores.
A assistência material que os filhos devem prestar aos pais necessitados é matéria regulada pelo Direito e com assento na Moral. Há assuntos da alçada exclusiva da Moral, como a atitude de gratidão a um benfeitor. De igual modo, há problemas jurídicos estranhos à ordem moral, como, por exemplo, a divisão da competência entre os vários órgãos da Administração Pública central e local.
– A visão kelseniana– Ao desvincular o Direito da Moral, Hans Kelsen concebeu os dois sistemas como esferas independentes. Para o famoso cientista do Direito, a norma é o único elemento essencial ao Direito, cuja validade não depende de conteúdos morais.
4- A teoria do “mínimo ético”. Esta teoria foi Desenvolvida por Jellinek, no contexto da relação entre direito e moral e consiste na ideia de que o Direito representa o mínimo de preceitos morais necessários ao bem-estar da colectividade. Para o jurista alemão toda sociedade converte em Direito os axiomas morais estritamente essenciais à garantia e preservação de suas instituições. A prevalecer essa concepção o Direito estaria implantado, por inteiro, nos domínios da Moral, configurando, assim, a hipótese dos círculos concêntricos.
Empregamos a expressão mínimo ético para indicar que o Direito deve conter apenas o mínimo de conteúdo moral, indispensável ao equilíbrio das forças sociais, em oposição ao pensamento do máximo ético, exposto por Schmoller. Se o Direito não tem por finalidade o aperfeiçoamento do homem, mas a segurança social, não deve ser uma cópia do amplo campo da Moral; não deve preocupar-se em trasladar para os códigos todo o continente ético. Diante da vastidão do território jurídico, não se pode dizer que o mínimo ético não seja expressivo. Basta que se consulte o Código Penal para certificar-se de que o mencionado bem-estar da colectividade exige uma complexidade normativa.
A não adopção dessa teoria, assim interpretada, implicaria a acolhida do máximo ético, pelo qual o Direito deveria ampliar a sua missão, para reger, de uma forma directa e mais penetrante, a problemática social
Para Diogo Freitas do Amaral, Direito e Moral distingue-se sob três perspectivas, a saber;
– Quanto aos fundamentos
Nesta perspectiva o Direito resulta da vontade colectiva de uma certa comunidade humana enquanto a moral resulta da opção livre da consciência de cada pessoa.
– Quanto aos fins, o Direito visa regular a convivência dos homens em sociedade a luz da justiça, segurança e dos direito humanos, enquanto a Moral visa conduzir a cada indivíduo a prática do bem e a recusa do mal, cumprindo os deveres que a sua moral ou sistema de valores lhe impuser.
-Quanto aos meios, o direito serve-se de sanções físicas ou materiais, como a privação da liberdade, multas, perda de bens etc., que podem ser decretadas pelos tribunais, polícias, enquanto a Moral se serve de sanções interiorizadas pela própria consciência, nomeadamente a culpa, remorso, reprovação da consciência alheia traduzida em corte de relações, esfriamento de amizades, recusa da convivência social com o culpado.